sexta-feira, 30 de julho de 2010

Eureca!

E aí o menino de 7 anos percebeu que era feito de lata. Percebeu quando tamborilou com o lápis no topo da cabeça, enquanto cantava a cantiga que se acumulava e que falava dos instrumentos musicais da loja do Mestre André. A descoberta fez com que ele morresse de rir e não parasse mais, quase nunca mais. Descobriu e ficou sabendo que ele talvez fosse o primeiro a descobrir, mas logo após as pessoas todas se transformariam em amontoados de placas de um material frio gélido como a neve que fica escorrendo no parabrisa no inverno daqueles lugares onde a neve cai. Curioso ter um coração que poderia amassar, como uma latinha de coca-cola. Um coração que poderia ser jogado na lata de lixo reciclável e que poderia ser vendido por quilo, junto com outros corações também amassados. Então o menino que ria tanto sem parar ficou preocupado, pois até que ser de lata parecia divertido, mas o coraçãozinho longe dele poderia sentir sua falta, mesmo batendo com gosto de ferrugem. E ele que ria sem parar parou de repente de rir e de novo tamborilou com o lápis no topo da cabeça. Não ouviu o tóim tóim tóim do lápis batendo na lata, mas sentiu uma dor fininha, dessas bem doídas que só as pessoas que são gente de verdade sentem e fazem cara triste para espantá-la bem depressa. E aí o menino de 7 anos percebeu que era melhor não ser de lata, mesmo se às vezes tivesse que sentir uma dor fininha fininha.

4 comentários:

  1. Oxalá Maria que os corações dos meninos e meninas de 7 anos não endureçam tanto a ponto de não produzir mais eco nenhum quando tocados. Oxalá que os meninos e meninas de 7 anos tenham a mínima proteção diante das demais "gentes latinhas" para não se tornar uma delas, de tanto observá-lhes o exemplo. Concluindo que é a única forma de sobreviver é falando a mesma lingua de ferro, volúvel diante das temperaturas, ocas e surdas. Facilmente recicláveis.
    Beijos,
    Amanda

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  2. Um texto grave e leve, M. Teresa. Curto e denso, como sempre você faz. Parabéns!
    Um abraço.

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  3. Que bom poder ser o"menino de lata", além das dores, das tribulações, da insanidade. Alguns instantes com essa experiência não faria mal algum. Muito elucidativo. Parabéns! RUTH

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  4. Amanda:
    Isso mesmo; pensei em coisas desse tipo quando as palavras se registraram no papel. Fiquei contente com sua interpretação.
    Beijo


    Nivaldete:
    Como sempre um comentário pra lá de generoso. Generoso e cheio de luz.
    Beijo


    Ru:
    Verdade; morrer de rir parece ser uma boa terapia. Daquelas que enchem a alma de pureza.
    Beijos

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