segunda-feira, 26 de julho de 2010

Senhas

Tudo codificado, preenchido daquela linguagem que insiste em ficar de cabeça curvada e não olhar de frente, com uma espécie de asco pela impetuosidade das letras e dos números que se vão aglutinando e formando um sistema de comunicação dos mais modernos que há. Até para abrir a porta de casa essa linguagem toda equipada é imprescindível; rígida, não aceita alterações e nem protestos emotivos de reformas: a chave só faz a fechadura funcionar se a regra for cumprida. Esquecer a senha do elevador significa ficar no banco do jardim, pois ele não dispensa a frase signo que lhe serve de estímulo para subir, descer, subir, descer. E os cartões de crédito, então? Cada um deles está preso a um conjunto de sinais, como um míope a seus óculos; sem os ditos cujos, não adianta insistir e nem o vendedor impacientar-se, pois a maquineta não dá moleza.

Neste tempo de significantes de coerência virtual, dá para cogitar o que vai ser da comunicação no futuro: muito possivelmente as linguagens se multipliquem e as pessoas andem munidas de chips para poderem conversar entre si, dizer bom dia para o vizinho, atender ao telefone. Talvez o romantismo das coisas simples deixe mesmo de existir e adquirir um saco de pipoca só possa acontecer se houver uma senha compatível com a ação de compra e venda. Até aí, tudo bem, são coisas do progresso. No entanto, se aquele “eu te amo” murmurado no escurinho do cinema deixar de acontecer porque um dos chips “está fora do sistema”, isso possivelmente criará um novo sentido para a palavra saudade, tão anacrônica e sem graça neste tempo de iphones e facebooks.

Será?!

9 comentários:

  1. Triste, porém verdade. Belo texto, Maria Teresa, um manifesto pelo humanismo. Abraços e obrigado pelo comentário no eptv.com

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  2. Olha, M. sempre fui contra o excesso de mudernidades, mas é o tal negócio “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come...” E o tal do bicho é cheio de complicações e veleidades...
    Eu, já tem um tempinho, que desencanei e vou levando do jeito que dá enquanto "vida que segue".
    Quanto à palavra saudade e amor já saíram de moda faz tempo, ao que parece...
    Vc deve conhecer os “Fragmentos de um discurso amoroso”, pois não?! Certa vez um professor meu falou que poderíamos ler sobre amor num livrinho chamado “O amor romântico e outros temas”, talvez vc conheça. E lembro claramente dele falando que nesse livro só se falava um pouquinho sobre o amor. Fiquei intrigada em saber como que o título empregava o tal do tema e falava só um pouquinho. Acabou que foi fácil descobrir...
    É Maria a gente vive num mudinho cheio de lógicas e pouca dignidade. Há de se cuidar para preservar o poucochinho que resta dela, a dignidade.
    P.S. No comentário do post "chinelo" não era anônimo novo era eu, Amanda. De vez em quando comento aqui. É que às vezes fico sem paciência de digitar o e-mail. Mas estou e continuarei acompanhando os blogs que eu gosto, inclusive o seu. Apesar de mudernu, não teria lógica nenhuma eu parar. É o tal do bate e assopra.
    Discupa o comentário longo.
    Beijos,
    Amanda.

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  3. *bate e assopra da mudernidade.
    Amanda

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  4. Marcelo:
    Talvez um outro tipo de renascimento esteja às vésperas de acontecer...
    Abraço


    Amanda:
    Você tem razão: valores da modernidade não poderiam ser empecilho para os valores que dão ao homem condição de dignidade, os valores humanos.
    Abraço

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  5. Pois é, Maria Teresa, as coisas vão ficando cada vez mais complicadas... rs... E eu aqui, começando a caminhar pela casa dos setenta, a cabecinha já começando a dar sinais de fadiga, vou levando tudo isso do jeito que posso, guardando uma senha sob o segredo de outra... rs... As mudanças vão acontecendo e é preciso acompanhá-las, sei disso, e tenho conseguido faze-lo até com uma certa propriedade, mas só não sei aonde é que tudo isso vai parar... Quer dizer, saber eu acho que sei, só não gosto muito é de pensar no assunto... rs...
    Beijos

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  6. Maria Teresa,
    Sou muito avessa a modernices, no entanto elas vão entrando velozmente na nossa vida e não há como fugir delas.Por cá, já se discutiu na Assembleia da República, os chips para os automóveis, espero que nunca chegue às pessoas e muito menos a nível da intimidade!
    Beijinhos,
    Manuela

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  7. Dulce:
    Sabemos que é importante progredir, mas, como você, acredito que o progresso não pode passar como um trator por cima de alguns preceitos fundamentais; sem eles, da mesma forma não sei aonde vamos parar, ou antes, sei, mas também não quero pensar no assunto...
    Beijo


    Manuela:
    Com seu comentário, acabei de me lembrar do livro 1984 do George Orwell; você conhece? Intimidades e pensamentos fiscalizados pela "teletela"! Que horror, não é?
    Beijos

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  8. Olá querida amiga.
    Não é que eu ao escrever o meu comentário, não pensei no livro 1984! Além de ler o livro, também vi o filme! Isso motivou um trauma, sempre que se discute certos assuntos de vigilância de ruas, vem logo ao pensamento o 1984. Também já li, que através dos satélites já somos muito vigiados!!!! Volto a dizer, que isso não chegue à privacidade, um dos nossos direitos que não deve ser infrinjido.
    Como sei que a Maria Teresa responde aos comentários, sempre volto.
    Beijinhos,
    Manuela

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  9. Pois é, o direito a privacidade é um direito acostumeiramente agredido e infelizmente não se pode ir contra o Estado. É a força esmagadora do grupo contra o indivíduo. Tb vi o filme 1984. Terrível... Por meio de certas leis já se vê que "entraram" até nas nossas casas, e de todas as maneiras governam as nossas vidas, de certo modo ditando até o que devemos ou não fazer ou ser. Então fico me perguntando onde anda a ética. Pergunta meio besta. Pq os que subsumem com ela são os seus maiores conhecedores, usando-as bem convenientemente e cinicamente nas campanhas eleitorais. Eu só observo e aprendi a achar graça.
    Espero não ter fugido muito do assunto. Mas esse contrasensos tb são frutos da mudernudade.
    Beijos,
    Amanda

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