Obsessão

Era um porta-retrato comum com direito a foto em pé ou deitada. Como todos os porta-retratos comuns. Mas era especial. Especialíssimo por deixar em evidência aquela foto em branco e preto meio desbotada, coberta pelas rugas que fazem parte do tempo ranzinza e cheio de manias. É que ele não foi feito para ser congelado por um flash que valoriza quase sempre um sorriso cheio de pose e de dentes brancos perolados. Ele quer seguir sua marcha cautelosaerotineira, cansativaeinterminável, sem que ninguém lhe apresente elenco de opções diversas. Foi num desses momentos, entretanto, que a foto surgiu, porém o rosto estava tão espontaneamente lindo e a fileira de dentes ria com tanta ternura, que até o tempo se esqueceu de caminhar por um segundo e ficou olhando com cara de tempo congelado. Depois fez questão de amarelecer, para que ninguém percebesse o momentâneo deslize de sua trajetória, mas o que fica para mim é que esse mesmo tempo apaixonou-se tão perdidamente pela meiguice do sorriso, que nunca conseguiu nublar-lhe o brilho sonoro que continua a embalar-lhe o casmurro caminhar em linha reta de sua sina de tempo. Sina de tempo eternaeobsessiva que não permite que ele pare e que olhe para trás.

(imagem: http://images.google.com.br)