quarta-feira, 17 de abril de 2013

Espera



O salto do sapato de verniz deve ter uns dez centímetros. Pernas perfeitas, joelhos meio à mostra abaixo da saia justa bem preta, com uns fiozinhos cinza minúsculos, imperceptíveis.   O cinto largo separa os quadris volumosos do tronco, vestido com camisa branquíssima de botões dourados. Combinam com o brinco enorme em forma de argola. Seios pesados e caídos agigantam-se sob o tecido bem passado. Cabelo negro, preso num coque, vê-se que é longo: de forma alguma atrapalha as anotações de consultas no quadro colorido exposto no visor. Temos vagas só daqui a três semanas! Infelizmente, senhora! Creio não ser possível, mas vou falar com ele. Entendo sua urgência, logo mais retorno. Os sapatos atravessam a sala com passinhos pequenos e equilibram o corpo ainda mais pesado pelo colar de três voltas (serão quatro?). Voltas douradas. Lábios rosa antigo balbuciam perguntas fluidas sem vírgulas sem parênteses sem sorrisos. Tudo mecânico, cronometrado, oco. Os sapatos voltam balançando os seios, os colares e as argolas das orelhas. Pisam com a ponta do pé numa espécie de dança de fundo, distraindo a espera interminável e o cheiro de bala de morango do pote ao lado das revistas. O gordo da cadeira em frente pega três ao mesmo tempo. Amassa todos os papéis formando uma bolinha, que cai no chão e fica ali. O bebê chora no colo da mulher de sapato amarelo. Ela levanta e caminha de um lado para o outro, até que desabotoa a blusa e afunda a boca cheia de lágrimas no bico de seu peito minguado. O gordo olha, pega mais duas balas e guarda os papéis, desta vez, no bolso da jaqueta camurça.  O cordão do tênis está desamarrado e ele abaixa para fazer o laço. Esforça-se e fica cada vez mais vermelho. Estica as pernas. Infelizmente não vai ser possível mesmo, desculpe; a agenda está lotada, só se alguém desistir. O bebê aproveita o silêncio apetitoso e suga com força a mulher de passos cor de ovo. Ela tem olhos azuis vazios e não percebe a indiscrição do gordo, que desiste do cadarço.  Na sala sem janelas a expectativa dói e o telefone toca. Só daqui a três semanas, a menos que alguém desista. O bebê dorme e o gordo cochila com cheiro de suor ácido. Sapatos amarelos saltos dez caminham em sua direção. Olhos azuis balbuciam delícias e desfilam com colar de madrepérolas sobre os seios nus, escondidos pela camiseta branca decotada. Cabelos negros balançam com a brisa e o corpo longilíneo deixa entrever maravilhas dentro da saia justa. Preta, com uns fiozinhos cinza minúsculos, imperceptíveis. É tempo de morangos e não há pressa. O bebê dorme e o gordo ri.

 (imagem: http://www.google.com.br)


6 comentários:

  1. Muito suave, perceptível e cativante. Parabéns Teresa, a riqueza da descrição faz sentir perfeitamente o "modo espera". Seja em qual espera da vida estejamos, creio que sempre existirão angústias como a fome de um bebê, e a frustração de não se poder amarrar um sapato.
    Beijos da sua fã

    Helena Vitorino

    ResponderExcluir
  2. Querida Helena, de fato, as esperas sempre são dolorosas e, às vezes, inspiradoras de devaneios... Fiquei feliz com sua mensagem. Seja sempre muito bem-vinda! Beijo carinhoso.

    ResponderExcluir
  3. Minha querida amiga Maria Teresa, é preciso muito talento e capacidade de observação para tirar tudo isso de uma sala de espera. Rara lavra. Um grande abraço deste fã.

    ResponderExcluir
  4. Ah, Marcelo, essas esperas são mesmo de matar! Obrigada pelo comentário generoso. Abração pra você.

    ResponderExcluir
  5. microcenas em que a vida, às vezes, está toda...
    beijos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Feliz pelo recado! A vida toda às vezes transborda quando alegrias borbulham! Beijos

      Excluir