Levantou cedo para fazer o bolo de chocolate meio amargo, aquele bem molhado e cheio de nozes, talvez também ficasse bom com um pouco de ganache e uns morangos pela metade por cima, para quebrar o exagero de açúcar. Gostou da ideia e, enquanto lavava os morangos, comeu uns três enormes, degustando a expectativa de vê-lo dali a pouco, depois de dois longos meses e meio. Laura foi sempre primorosa nos preparativos. Como prato principal, sorrentine amore, massa vermelha recheada de vitela, ma-ra-vi-lho-sa criação da Flávia do Locanda Della Pasta. Com molho ao sugo, pois Aldo não dispensava o molho de tomate em dia de jogo do Palmeiras. Arrumou a mesa ainda de camisola, enfeitando tudo com margaridinhas cheias de vida, que combinavam com a borda amarela dos pratos novos e com os jogos americanos de palhinha. Juntou os livros espalhados pelas cadeiras e pelo chão, perfumou o ambiente e foi para o banho.
Ligou o chuveiro e ficou ali morrendo de frio, esperando a água esquentar. Separou o vestido de lã de gola larga, a meia fio 60, o sapato de salto grosso. Deixou tudo arrumado no sofá ao lado da cama e foi verificar a água. Nada. Nem uma fumacinha. Não teve jeito: enrolou-se na toalha e foi até a lavanderia conferir o aquecedor. Estava apagado. Depois de gastar quase uma caixa inteira de fósforos, sem êxito, ligou para o porteiro e ficou sabendo que o gás só voltaria depois do almoço: a Comgás estava resolvendo um problema na rua e cortou o abastecimento. Justo no dia dos namorados? Laura tomou banho frio e voltou para baixo das cobertas para evitar uma segunda pneumonia. Ainda bem que não tinha sido a luz. A sobremesa estava pronta e a massa poderia ser concluída no forno elétrico.
Laura sonhou com a cara atrevida do Aldo abrindo a caixa de trufas que ela mesma havia feito de presente para ele. Nunca tinha visto alguém trocar o café da manhã por chocolate ou substituir o almoço por tabletes aerados. Sentia nos beijos dele uma doçura de desvario e entregava-se ao assédio daquele amor cor de cacau e de prazer. Aldo era seu verdadeiro sentido de vida; rodeava-o como coisa de comer e saboreava-o como um vício.
Tinha lido durante a semana que haveria uma multa para os condôminos que gritassem pela janela na hora dos gols. Assustadíssima, Laura, ainda meio sonolenta, percebeu que o grito não vinha de fora: estava bem ali a seu lado, sentado sobre a gola de lã e devorava a última trufa da caixinha. No placar, o Palmeiras ganhava por dois a zero.
(imagem: http://www.google.com.br/imgres)
Dois meses e meio de espera e ele chega, no dia dos namorados e... ao invés de acordá-la com doces beijos, senta para ver o Palmeiras, devorando a caixa de chocolates que ela se esperara tanto em preparar... Vai ver que nem reparou na beleza da fita que o envolvia...
ResponderExcluirMinha santa avozinha diris: HOMENS!!!
:o
ResponderExcluirTadinha... às vezes é melhor ficar só, do que ainda mais só estando acompanhado.
A vida e suas pequeninas tragédias...
Apesar do chuveiro que não ajudou, as expectativas para o dia já eram felizes. Faziam parte do encontro que se daria e que seria promissor. O importante é a criação das fantasias, mesmo que´às vezes não se realizem.
ResponderExcluirBj RUTH
Dulce:
ResponderExcluirTenho certeza de que tinha até cartãozinho!
Avós são mesmo muito sábias...
Beijos
Amanda:
Solidão ao quadrado não dá, concordo com você.
Beijos
Ru:
Às vezes as ilusões ajudam mesmo. Mas não salvam.
Beijos
Oi, Maria Teresa! Que delícia de texto para o Dia dos Namorados... Aliás, alguns pormenores me lembraram um casal que conheço - rs! Ah! e fiquei com água no boca com a descrição do bolo! Bjs e boa semana!
ResponderExcluirCassia:
ResponderExcluirCom todo este frio, dá vontade mesmo de um bolo com tudo o que é proibido, não é? Será que eu também conheço esse casal??
Beijos
Teresa:
ResponderExcluirCom certeza a preparação para o tão sonhado encontro foi a melhor parte do dia para Laura.O banho frio não valeu a pena...Aldo não mereceu tanto sacrifício.Coitada! Só uma coisa não o desmereceu por completo...era Palmeirense...rs !
Beijo !!!!
Falando em expectativas, tinha outras ao ler sua narrativa. Mas a ficção também é espaço de desencontro entre quem lê e quem escreve, não é mesmo? Comamos bolos de chocolate e sorrentine amore, então!
ResponderExcluirUm abraço.
Olá Maria Teresa,
ResponderExcluirCheguei ao fim fiquei perplexa...banho de água fria em duplicado!... Mas quanto ela não foi feliz nos preparativos!...
Beijos,
Manuela
Quanto carinho mal aproveitado.Quantas Lauras se viram nessa como espelhos recortados.Obstáculos, preparativos, escolhas detalhadas para um torcedor distraído e inveterado.
ResponderExcluirÈ bom mostrar-se o outro lado das moedas carimbadas.
Gostei demais,
Bjos,
Calu
Roseli:
ResponderExcluirAi esse Verdão...
Beijos
Halem:
Eram boas suas expectativas? De verdade?
Grande abraço
Manuela:
Vale a máxima: "o melhor da festa é esperar por ela". De fato!
Beijos
Calu:
O problema é que as moedas carimbadas passam despercebidas e embaralham-se e camuflam-se com grande astúcia...Quem as vê?
Beijos
Puxa vida, que desilusão....que desespero!!!
ResponderExcluirÉ assim a vida, nem sempre as coisas correm
como era nosso desejo.
Mas que deve ter sido um momento de desespero
sim.
Beijinhos e um pedido: sorria.
Irene
Que delícia de texto, Maria Teresa! A começar pelo lado gourmet, que se mistura com esse amor de chocolate. Parece que as imagens estão todas diante de nossos olhos, como num filme bem-humorado.
ResponderExcluirBeijo beijo grande pra você.
Irene:
ResponderExcluirNada como satisfazer um pedido desses!
Beijo
Dade:
Tenho visto tantos filmes terríveis, que me inspiram cada pesadelo, que um filme bem-humorado é muito bem-vindo. Ainda bem que você o viu assim.
Beijos
Oi, poetisa querida!
ResponderExcluirObrigada pela visita e um grande e carinhoso abraço!
Limara:
ResponderExcluirEu que agradeço seu carinho por aqui.
Beijos