Sabia que ficaria sentada um tempão, apesar de ter saído voando para chegar pontualmente às seis. Por que tinha que ser sempre assim? Mas o livro estava ótimo, ainda bem. No entanto, a todo momento tinha que parar de ler e enxugar as lágrimas; não seria possível terminar o romance ali, no meio do consultório cheio de gente, claro que não. Cruzou as pernas para o outro lado para tentar esquecer a tensão, abriu a bolsa procurando um lencinho de papel, assoou o nariz; todo mundo anda resfriado entrando e saindo de ambientes com ar condicionado, nossa!
A menina ruiva tinha uma cara séria, mas era apenas uma menininha de uns oito anos. Por que ela não continuava com aquele joguinho emburrecedor? O irmão gêmeo – só podia ser gêmeo – até levantava da cadeira apertando os minúsculos botões; ele também era ruivo, mas não tinha os olhos azuis que encaravam sem piscar. Descruzou as pernas e fez mais uma tentativa, mais dois parágrafos. Ufa, a dona dos sapatos cor de tomate entrou, menos uma. Ao que parecia, depois iriam os gêmeos, a moça grávida que não tirava a mão da barriga, o senhor assustado com o próprio ronco e ela. Isso se a paciente idosa que chegou com a enfermeira não passasse na frente, questão de prioridade.
Que raiva daquele destempero! Nem tinha tanta tragédia que justificasse tamanha comoção; e o final do enredo estava sendo até meio previsível, absurdo ser assim tão sensível. Levantou para beber um copo de água e percebeu que a grávida estava chorando, será que? Não, evidente que não. Voltou para seu lugar e conferiu as mensagens do telefone; há uma semana esperava uma resposta do Lúcio, já estava se sentindo uma minhoca, menos que minhoca, uma barata. Cruzou as pernas. O problema do Lúcio era a pequenez. Ele não absorvia mais nada e só se encharcava de bebida. Ciúme puro. Faltava apenas um capítulo quando os gêmeos saíram e a grávida entrou. Cinquenta e quatro minutos naquela sala claustrofóbica já. A secretária olhou para ela com jeito de quem ia pedir para a senhora com a enfermeira entrar antes, ela que não ousasse. O celular tocou acordando o proprietário do ronco, droga, era engano. Teria que dizer para o Lúcio algumas verdades; sim, ele era culpado, culpado daquele tipo dos que juram inocência.
A cara bochechuda da secretária ria pra ela. Riso de puro pedido de favor. O livro a chamava, quinze minutos a mais ou a menos não fariam diferença; daria para terminar de ler. A senhorinha acompanhada pousava a vista no furo do tapete amarelo desbotado; para ela, ir antes ou depois faria menos diferença ainda. Teve vontade de ser gentil, mas nem bem acabou de resolver isso, os olhos da cabeça mais que branca começaram a se encher de água. Daí ao choro convulsivo foi um minuto. Claro que a grávida saiu e ela entrou com enfermeira e tudo; a secretária estava séria, seriíssima e nem chegou a pedir licença. Com livro aberto na página do último capítulo, ficou ela ali, ao som de alguns roncos agora mais cadenciados. Sentiu-se uma barata, ou menos que isso, uma lesma disforme, com uma vontade i-men-sa de chorar.
(imagem: http://www.google.com.br/imgres)
Quando estamos na sala de espera de um consultório, nunca nos detemos para pensar nos dramas que moram na alma de cada uma das pessoas que ali se encontram... Há lágrimas contidas, medos profundos, angústias, apatias, indiferenças...
ResponderExcluirDaqui, do lado de fora da história, fiquei tentando imaginar a alma de cada uma delas, enquanto s protagonista lia seu livro e olhava-as entre um parágrafo e outro...
Beijos e uma Feliz Páscoa
Manuel:
ResponderExcluirAgradeço e desejo-lhe também uma Páscoa iluminada.
Abraços
Dulce:
Sem querer interceptamos muitas histórias e muitos enredos, como numa imensa teia. De fato.
Uma santa Páscoa para você também.
Beijos
Gostei dos retratos de vida tirados na sala de espera. Um lugar privilegiado para observar a alma humana - basta ter olhos pra isso. E você tem, Maria Teresa. Parabéns pelo ótimo texto.
ResponderExcluirSua visita é traz sempre bons fluidos. Obrigada, Marcelo.
ResponderExcluirUma sala de espera é um lugar possivelmente entediante. Mas com sorte, pode ser um achado para observar quem está a nossa volta.
ResponderExcluirUm texto excelente, Maria Teresa.
Beijo grande.
Dade:
ResponderExcluirSabe que essa moça do texto foi inspirada na Zilah (era esse o nome, não é?)?
Beijos
Olá Maria Teresa,
ResponderExcluirAprecio sempre muito nos seus textos os desvios originais que vai introduzindo, as imagens que vai sobrepondo...
Alguém espera num consultório e de facto numa situação mais ou menos passiva, que actividade intensa existe na mente, olhares para fora, olhares para dentro de si...
Beijos,
Manuela
Manuela:
ResponderExcluirTudo isso forma uma teia intrincada, não é? Terríveis mesmo esses momentos de dependência que somos levados a vivenciar.
Beijo carinhoso