Toda tensa ela estava toda tensa. De olhos verdes perplexos, só via o de frente me deixando ali com cara de despejo como caricatura de homem de quarenta mais que perfeito derrotado. Desperdiçado. Dançava com deleite com balanço estrepitante, atraindo a atenção dos do lado e dos de trás. Boca vermelha semiaberta nariz em riste apontando para todos que a cercavam no círculo onde eu estava transparente. Descosido de mim.
- Eu te amo eu lhe dizia no desarranjo de meu desconcerto e as palavras descoloridas dançavam junto, desejosas de sair de mim para se embaralharem no requebrado esverdeado que é meu era meu sempre fora apenas meu.
- Eu te odeio eu lhe gritava no meio da dança e o verde me olhava com aquela boca vermelha semiaberta nariz em riste gargalhando da minha dispersão.
E a dança sem dó continuava sem decência como névoa como neblina cobrindo flores amarelas brancas e multicoloridas de um cinza tão triste que as lágrimas pulavam do de dentro e inundavam o de fora sem disfarces sem doçuras. De repente eu não via mais o ritmo que me dizimava pouco a pouco nem provava mais a música doentia que me doía.
- Eu te odeio eu urrava silencioso debruçado no desenho do decote que subia e que descia diante dos últimos fiapos do meu desamparo.
- Eu te amo eu berrava soletrado e chorava e me tingia de lama e de desonra enroscado naquela dança demoníaca que ia e vinha e me tragava e me doía me doía.
- Eu te amo eu berrava soletrado e chorava e me tingia de lama e de desonra enroscado naquela dança demoníaca que ia e vinha e me tragava e me doía me doía.
Só poderia ser ao compasso de um bolero de Ravel... Que matizes, que rítmo, que nuances de gestos, cores e explosões...
ResponderExcluirVocê está mesmo inspirada. Parabéns! RUTH
seus textos andam muito vulcânicos, apaixonados, e isso é bom!... Muito bom! Quase transpirei lendo este...
ResponderExcluirUm beijo!
Maria Teresa,
ResponderExcluirQue «nuances» ricas, têm estas suas prosas poéticas, que esboçam histórias. Aqui podiam tirar-se muitas ilações. Ninguém é de ninguém, eu quero fazer o que me apetece, eu sou livre...fiquemos por aqui para não dizer mais disparates!
A Rute tem razão, se fosse o «Bolero de Ravel» obviamente que era difícil parar de dançar, porque momento a momento um instrumento entra intensificando a música!...
Beijinhos,
Manú
Ru:
ResponderExcluirObrigada. Talvez a música fosse essa mesmo. Obrigada pelo complemento.
Beijos
Nivaldete:
De fato, às vezes a vida parece mesmo arrebatar!
Beijo grande pra você
Manu:
Nada melhor que essa liberdade a que você se referiu para viver de forma intensa. E como é bom viver assim!
Beijo carinhoso
Nossa, Maria Teresa! Que texto intenso! Gostei muito! Beijos!
ResponderExcluirHá "danças" que doem, doem...
ResponderExcluir- "como caricatura de homem de quarenta mais que perfeito derrotado. Desperdiçado." - não é?
Beijinho
Naty e Carlos:
ResponderExcluirObrigada pela visita. Sejam sempre bem-vindos!
Abraços
Cassia:
Fico sempre feliz quando você aparece. Origada.
Bjos
Quicas:
Possivelmente essas danças que doem são responsáveis por outras em que acontecem grandes alegrias. Assim é a vida!
Abraços
Deixei-me levar por esta inspirada dança. Gostei também da subversão - proposital - à pontuação. Parabéns, Maria Teresa.
ResponderExcluirUm texto excelente, Maria Teresa.
ResponderExcluirBeijo grande.
Marcelo:
ResponderExcluirPois é, as vírgulas e pontos dificultavam a pulsação. Obrigada pelo comentário generoso.
Abraços
Dade:
Carinhosa como sempre sua passagem por aqui.
Beijos