domingo, 29 de agosto de 2010

Vagareza

Devagar gosto de ler, saboreando palavra por palavra. Sempre foi assim, apesar de às vezes admirar os que elencam títulos e títulos já devorados com avidez. Admirar e invejar até. Além disso, não estou encontrando tempo para ir ao encontro dos volumes que aguardam por mim e que me olham de forma sedutora. É por isso que apreciei o artigo de Patrick Kingsley do último Sabático (ESP, 28/08/10, S6), traduzido por Terezinha Martino. Defendendo a tese de que a grande responsável por nossa instabilidade deste tempo é a própria internet, que tanto nos é imprescindível, discorre sobre essa tendência moderna de sabermos um pouco de tudo e muito de nada. Comenta que, de acordo com Nicolas Carr, especialista em tecnologia, nossos hábitos superativos já afetam nossa capacidade mental de processar e compreender um texto muito longo. Viramos seres em constante corrupio, como se não houvesse tempo de perder tempo para pensar no tempo. Esse é nosso dilema, que nos impede de isolarmo-nos e de agastarmo-nos para pelo menos observarmos o extravio de nós mesmos. Viramos seres enlatados, em que as informações acumulam-se sem espaços para ócios e inspirações. Não há possibilidade de imaginarmos que, durante quatro ou cinco horas por dia, nosso computador deverá ficar desligado; isso é completamente inviável. Viramos seres desmontados, acostumados que estamos a maneiras de olhar e de consumir, que fragmentam nossa atenção, descolorindo e fazendo virar pó nossa antiquada mania de estabelecer links e de pretender pelo menos resquícios de coesão. Viramos seres incolores em busca constante do fortuito e daquilo que preencha nossa carência de aprendizados que nada ensinam e que de forma alguma sustentam nossas fragilidades. Falta-nos o arroz com feijão e o pão com manteiga; falta-nos a essência de nós. Segundo Kingsley, se já há o Slow Food e o Slow Travel, agora é hora do Slow Reading. As palavras têm que ser mastigadas para que consigamos perceber que o feijão tem grãos graúdos e que a manteiga está deliciosa: bem gelada, em contraste com a crocância do pão, cujo aroma nos ensina metáforas e nos faz conhecer melhor o mundo e a nós mesmos. Bem devagar.

8 comentários:

  1. Maria Teresa,
    Bem pensado.
    Confesso que tenho tido bons proveitos com a internet, mas é preciso realmente ser criterioso para não se perder nesses labirintos e esquecer a vida 'real', os afetos, os amores, o estar consigo. Da minha parte, estou pensando seriamente em fazer retiros esporádicos e à minha maneira; nada de 'pacote', pois essas opções também nos engavetam.
    Algo muito simples e que nos devolve a nós mesmos: olhar o céu... isso produz um benéfico esvaziamento do turbilhão de informações em que mergulhamos. E nada como segurar e ler -devagar- um livro interessante! Ou sentar-se num banquinho, cruzar as pernas e... OOMMM...
    Há saídas, amiga querida! Um abraço.

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  2. Querida Nivaldete:
    De fato, uma encruzilhada. Também muito me beneficio da internet e sinto que já me posso dizer viciada. Mas você tem razão: havemos de ser suficientemente criativos para encontrar saídas; havemos de ter bom-senso. Agora, que lhe sou gratíssima por descobrir pessoas bonitas como você, ah, disso não há dúvida!
    Beijos

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  3. Maria Teresa, adorei esse texto!
    A internet nos toma muito tempo, é verdade.
    Será que ela toma o tempo, ou nós que dispendemos tempo precioso só para a net? A internet sozinha não faz nada, depende do indivíduo.

    Chegou o momento de estabelecermos tempo para ler um livro, sem o PC ligado, tempo para navegar, ler e escrever com o computador!

    É mais uma questão de consciência e autodisciplina a ser desenvolvida e cumprida!

    Bjs em slow motion

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  4. Ótimo texto, Maria Teresa. Achei excelente a tese do slow reading. E é mesmo estranho o fato de a internet, que por definição nos promete ganhar tempo, só nos rouba este recurso escasso e não-renovável! Admirável mundo novo.

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  5. Vera:
    Adorei o slow motion! O problema é conseguirmos cumprir o que se prometeu... Atualmente, tenho andado muito desobediente!
    Beijos


    Marcelo:
    Aldous Huxley caminhou bem à frente! As teses dele invadem-nos os dias encurtados pelos excessos de mecanização.
    Grande abraço

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  6. Livro é tão importante que já se diz:"livro,presente de amigo". Realmente nada supera a sutileza do manejo,da reflexão e do sabor de uma leitura feita com esmero e sem pressa. Só espero que a internet não tenha vindo para substitui-la, sufocando a arte da palavra que só o livro pode suplantar. RUTH

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  7. Ru:
    O livro é de fato um amigo. Muito querido. Aquele que quase podemos abraçar, de tão fiel.
    Beijos

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  8. Não tem nada a ver com o poste, mas tem segundo a comparação com amigos.
    Eu tinha (tenho) uma amiga, uma das pessoas mais serenas que eu já conheci na vida, e apelidamos ela de vagareza.
    Aproveito, se vc me permite, pra fazer uma justa homenagem a ela, Lélia ou leléu, como costumavamos chamar tb.
    Embora, acredite que tal fato nunca chegará ao conhecimento dela.
    Beijos Maria,
    Amanda

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