Devagar gosto de ler, saboreando palavra por palavra. Sempre foi assim, apesar de às vezes admirar os que elencam títulos e títulos já devorados com avidez. Admirar e invejar até. Além disso, não estou encontrando tempo para ir ao encontro dos volumes que aguardam por mim e que me olham de forma sedutora. É por isso que apreciei o artigo de Patrick Kingsley do último Sabático (ESP, 28/08/10, S6), traduzido por Terezinha Martino. Defendendo a tese de que a grande responsável por nossa instabilidade deste tempo é a própria internet, que tanto nos é imprescindível, discorre sobre essa tendência moderna de sabermos um pouco de tudo e muito de nada. Comenta que, de acordo com Nicolas Carr, especialista em tecnologia, nossos hábitos superativos já afetam nossa capacidade mental de processar e compreender um texto muito longo. Viramos seres em constante corrupio, como se não houvesse tempo de perder tempo para pensar no tempo. Esse é nosso dilema, que nos impede de isolarmo-nos e de agastarmo-nos para pelo menos observarmos o extravio de nós mesmos. Viramos seres enlatados, em que as informações acumulam-se sem espaços para ócios e inspirações. Não há possibilidade de imaginarmos que, durante quatro ou cinco horas por dia, nosso computador deverá ficar desligado; isso é completamente inviável. Viramos seres desmontados, acostumados que estamos a maneiras de olhar e de consumir, que fragmentam nossa atenção, descolorindo e fazendo virar pó nossa antiquada mania de estabelecer links e de pretender pelo menos resquícios de coesão. Viramos seres incolores em busca constante do fortuito e daquilo que preencha nossa carência de aprendizados que nada ensinam e que de forma alguma sustentam nossas fragilidades. Falta-nos o arroz com feijão e o pão com manteiga; falta-nos a essência de nós. Segundo Kingsley, se já há o Slow Food e o Slow Travel, agora é hora do Slow Reading. As palavras têm que ser mastigadas para que consigamos perceber que o feijão tem grãos graúdos e que a manteiga está deliciosa: bem gelada, em contraste com a crocância do pão, cujo aroma nos ensina metáforas e nos faz conhecer melhor o mundo e a nós mesmos. Bem devagar.
domingo, 29 de agosto de 2010
Vagareza
Devagar gosto de ler, saboreando palavra por palavra. Sempre foi assim, apesar de às vezes admirar os que elencam títulos e títulos já devorados com avidez. Admirar e invejar até. Além disso, não estou encontrando tempo para ir ao encontro dos volumes que aguardam por mim e que me olham de forma sedutora. É por isso que apreciei o artigo de Patrick Kingsley do último Sabático (ESP, 28/08/10, S6), traduzido por Terezinha Martino. Defendendo a tese de que a grande responsável por nossa instabilidade deste tempo é a própria internet, que tanto nos é imprescindível, discorre sobre essa tendência moderna de sabermos um pouco de tudo e muito de nada. Comenta que, de acordo com Nicolas Carr, especialista em tecnologia, nossos hábitos superativos já afetam nossa capacidade mental de processar e compreender um texto muito longo. Viramos seres em constante corrupio, como se não houvesse tempo de perder tempo para pensar no tempo. Esse é nosso dilema, que nos impede de isolarmo-nos e de agastarmo-nos para pelo menos observarmos o extravio de nós mesmos. Viramos seres enlatados, em que as informações acumulam-se sem espaços para ócios e inspirações. Não há possibilidade de imaginarmos que, durante quatro ou cinco horas por dia, nosso computador deverá ficar desligado; isso é completamente inviável. Viramos seres desmontados, acostumados que estamos a maneiras de olhar e de consumir, que fragmentam nossa atenção, descolorindo e fazendo virar pó nossa antiquada mania de estabelecer links e de pretender pelo menos resquícios de coesão. Viramos seres incolores em busca constante do fortuito e daquilo que preencha nossa carência de aprendizados que nada ensinam e que de forma alguma sustentam nossas fragilidades. Falta-nos o arroz com feijão e o pão com manteiga; falta-nos a essência de nós. Segundo Kingsley, se já há o Slow Food e o Slow Travel, agora é hora do Slow Reading. As palavras têm que ser mastigadas para que consigamos perceber que o feijão tem grãos graúdos e que a manteiga está deliciosa: bem gelada, em contraste com a crocância do pão, cujo aroma nos ensina metáforas e nos faz conhecer melhor o mundo e a nós mesmos. Bem devagar.
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Maria Teresa,
ResponderExcluirBem pensado.
Confesso que tenho tido bons proveitos com a internet, mas é preciso realmente ser criterioso para não se perder nesses labirintos e esquecer a vida 'real', os afetos, os amores, o estar consigo. Da minha parte, estou pensando seriamente em fazer retiros esporádicos e à minha maneira; nada de 'pacote', pois essas opções também nos engavetam.
Algo muito simples e que nos devolve a nós mesmos: olhar o céu... isso produz um benéfico esvaziamento do turbilhão de informações em que mergulhamos. E nada como segurar e ler -devagar- um livro interessante! Ou sentar-se num banquinho, cruzar as pernas e... OOMMM...
Há saídas, amiga querida! Um abraço.
Querida Nivaldete:
ResponderExcluirDe fato, uma encruzilhada. Também muito me beneficio da internet e sinto que já me posso dizer viciada. Mas você tem razão: havemos de ser suficientemente criativos para encontrar saídas; havemos de ter bom-senso. Agora, que lhe sou gratíssima por descobrir pessoas bonitas como você, ah, disso não há dúvida!
Beijos
Maria Teresa, adorei esse texto!
ResponderExcluirA internet nos toma muito tempo, é verdade.
Será que ela toma o tempo, ou nós que dispendemos tempo precioso só para a net? A internet sozinha não faz nada, depende do indivíduo.
Chegou o momento de estabelecermos tempo para ler um livro, sem o PC ligado, tempo para navegar, ler e escrever com o computador!
É mais uma questão de consciência e autodisciplina a ser desenvolvida e cumprida!
Bjs em slow motion
Ótimo texto, Maria Teresa. Achei excelente a tese do slow reading. E é mesmo estranho o fato de a internet, que por definição nos promete ganhar tempo, só nos rouba este recurso escasso e não-renovável! Admirável mundo novo.
ResponderExcluirVera:
ResponderExcluirAdorei o slow motion! O problema é conseguirmos cumprir o que se prometeu... Atualmente, tenho andado muito desobediente!
Beijos
Marcelo:
Aldous Huxley caminhou bem à frente! As teses dele invadem-nos os dias encurtados pelos excessos de mecanização.
Grande abraço
Livro é tão importante que já se diz:"livro,presente de amigo". Realmente nada supera a sutileza do manejo,da reflexão e do sabor de uma leitura feita com esmero e sem pressa. Só espero que a internet não tenha vindo para substitui-la, sufocando a arte da palavra que só o livro pode suplantar. RUTH
ResponderExcluirRu:
ResponderExcluirO livro é de fato um amigo. Muito querido. Aquele que quase podemos abraçar, de tão fiel.
Beijos
Não tem nada a ver com o poste, mas tem segundo a comparação com amigos.
ResponderExcluirEu tinha (tenho) uma amiga, uma das pessoas mais serenas que eu já conheci na vida, e apelidamos ela de vagareza.
Aproveito, se vc me permite, pra fazer uma justa homenagem a ela, Lélia ou leléu, como costumavamos chamar tb.
Embora, acredite que tal fato nunca chegará ao conhecimento dela.
Beijos Maria,
Amanda