quarta-feira, 21 de julho de 2010

Vermelhidão


Aquele foi um momento facetado e sem alarido algum. Procurou pelas palavras que sempre lhe fluíram insolentes, mas encontrou apenas transparências de silêncios enrugados. Não se reconhecia, não distinguia seus contornos, seus trejeitos maquiados e confortáveis. Sentiu-se verdadeira e casta como deveria ter sido antes de nascer e sorveu aquele gosto de lágrimas que despencavam grossas e graúdas. Tudo fora tão de relance e tão repentino, que até seu discernimento desintegrou-se desalinhadamente e misturou-se com a fumaça que se desprendia da cumbuca ocre e sem graça à sua frente. O repolho cozido ficou mais salgado, o frango branco mergulhou no aguado daquela sopa terapia e a rotina de sua solidão sufocou-lhe com a lembrança das palavras ingênuas e tingidas por aqueles cabelos despenteados de quatro anos: “o papai foi embora e levou aquela mala azul que você também gosta de levar todas as vezes que viaja pra longe de mim e eu estou com medo de você me deixar aqui sozinho”. A vida fez uma pausa e o universo deixou congelados os movimentos todos. Suas mãos pareciam tocar o vácuo e acenar para o nada, jogando-a contra ela mesma, executiva arguta e eficiente, cheia de autoconfiança, em quem tantas famílias inteiras tinham confiado seus segredos e suas intrigas familiares. Então se levantou, e na desordem de seu coração vazio, o desconcerto fê-la abraçar o seu menino ruivo ruivo; cantarolando uma melodia cheia de doçura, sentou-se com ele no chão do quarto e contou-lhe uma história comprida de um menino despenteado que tinha cabelo vermelho e que queria ser jogador de futebol.

7 comentários:

  1. Querida Maria Teresa,
    Uma situação cada vez mais banalizada. A espessura que os detalhes dão ao texto, está excelente, esses detalhes estão cheios de sensibilidade. Sobre a realidade em si, para mim é desconcertante a facilidade com que as pessoas procuram a ruptura e bem cedo a mágoa é inesperada e abaladora, mas a problemática iria longe. Tenho pena de todos os meninos «ruivos»!
    Beijinhos,
    Manuela

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  2. ...mas tudo terminou numa grande ternura. Quando se conta uma história algo se equilibra no universo. No nosso, pelo menos.
    Um beijo!

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  3. Manuela:
    Pobres "meninos ruivos", você tem razão. Para mim sempre foi muito doída a situação, muitas vezes prematura, como você bem afirmou, com que tudo se resolve, independentemente de toda e qualquer grave consequência.
    Beijos


    Nivaldete:
    Lembro-me de certa vez ter tido a grata oportunidade de ler um texto seu, em que senti aquela sensação boa de equilíbrio e de ternura. De epifania. Comentei até que hoje se defende por aí a necessidade de haver o "soco no estômago" do leitor e que você concordou com essa tendência, apesar de haver contemplado a alegria. No entanto, aqui podemos nos safar dessa condição, não é? O universo é nosso, felizmente!
    Beijo

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  4. Amiga Teresa!

    Volto para ler este texto. O menino da imagem é muito parecido com o meu filho em pequeno, só um à parte!

    Vim expressamente par te agradecer a presença e carinho ontem dado no Rau.

    Beijinhos

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  5. Como reagir diante dos temores de uma criança que vê seu mundo desmoronando, diante da incerteza que doi num coraçãozinho amedrontado? Vi, faz dois anos, meus kids passarem por medo igual e admirei a força de minha filha em conduzi-los de volta a certeza da segurança do lar, embora desfeito. Vejo-os hoje confiantes e meu coração se enche de paz...
    Há tantos garotinhos ruivos e despenteados por este nosso mundo atual...
    Beijos

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  6. Esse menino,com cara de travesso, busca abrigo no colo da mãe, respirando seu amor e sua segurança. Quiçá não falte a criança alguma esse privilégio. BjRU

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  7. Ru:
    Essa utopia amanheceu com vontade de vingar! Tomara!
    Beijo

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