Miudeza

Ela parece saber quantas franjas tem o tapete da sala, mas sente necessidade de embaralhá-las para fingir inexatidão e ousadia. Então revê entardeceres e pensa naqueles pores de sol vermelhos como se estivessem oxigenados de beleza incrustada, oxítona; também ouve os sabiás laranjeira e assusta-se com aquele piado escandaloso, mas alça voo com eles perscrutando o cheiro bom da chuva que não chove e que deixa os ipês empoeirados e grávidos de flores amarelas. Sente dor nos dedos de tanto consultar o significado das palavras que se arrastam na voz dele, que a chama lá de longe tão longe como um trinado e procura abrir bem os olhos para observá-lo, mas pisca para que não haja perigo de eles se rasgarem. Se “a recordação vê o ser amado sempre em miniatura”*, aprenderá com os pássaros a buscar paragens cotidianamente promissoras e permanecerá na sua condição de pequenez. De bibelô cobiçado.

(imagem: http://www.google.com.br)

(* citação encontrada em http://lapisvirtual.blogspot.com/2010/07/walter-benjamin-para-comecar-semana.html)