Vuvuzelas

Alma dividida. Não quereria ser o Dunga. Ou quereria? Saco de pancadas e de xingamentos e de críticas - pelo que disse e pelo que não disse pelo que fez e pelo que não fez pelo jogador que convocou e pelo que não convocou pelo treino aberto e pelo treino a portas fechadas - de todos os que se reconhecem melhores do que ele para comandar os craques. Todos os brasileiros ou quase todos que, antes do dia de hoje, até se tinham esquecido de que tinham nascido nesta pátria verdeamarela. Nele se concentram olhares de polo a polo e nele se congregam nossas esperanças simbolizadas pelas bandeiras estendidas nas janelas nas varandas nas camisetas nos bonés no asfalto das ruas, nos carros e nas vuvuzelas que soam e troam troam e soam com estardalhaço. Essa situação lembrou-me, então, aquele poema do Fernando Pessoa, no qual o eu-lírico observa uma ceifeira que, enquanto ceifa, canta, “julgando-se feliz talvez”. Apreciando o canto suave da moça, ele diz que “ouvi-la alegra e entristece”, pois ela “canta como se tivesse / mais razões p’ra cantar que a vida”. “Ah, poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!” Neste exato momento, avisto na varanda do prédio ao lado, um pequeno menino com sua babá. Ele já está preparado para logo mais, já se vestiu com as cores da pátria e já tenta extrair da corneta aquele som característico dos gramados africanos. Sem êxito, ele pede que a moça que o acompanha toque e ela o faz com a mesma alegre inconsciência da ceifeira. É, Dunga, logo mais outras vuvuzelas soarão e troarão, pedindo licença ao pensamento; ele que se afaste para que a emoção domine e comande com você os artistas da bola. Afinal, “a vida é tão breve”!

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