Empatias

Saiu com cautela das páginas coloridas do livro o menino despenteado e pulou no sofá, onde o outro menino despenteado adormecera. Olhou tudo por ali e gostou de sentir o cheiro adocicado daquilo que ele não sabia bem o que era, pois as comidas dos personagens de um livro são apenas de mentirinha. Sentiu um oco profundo por dentro e percebeu que a esquisitice deveria ser vontade de comer as bolinhas de um marrom brilhante que estavam na mesa ao lado do sofá, mas não sabia bem como é que deveria fazer aquilo. Viu que os brinquedos espalhados pelo chão também eram mais especiais e surpreendeu-se com o apito de uma ambulância, quando apertou um botão muito sem querer. Nisto o outro menino despenteado acordou e levou um susto ao ver o menino despenteado de seu livro à sua frente e com cara de quem está vendo um menino despenteado acordando com o apito ensurdecedor de uma ambulância de verdade só que de brinquedo. E como acontece com as crianças que não pensam muito sobre o que é possível ou não, eles ficaram muito amigos e fizeram de conta que o sofá era uma espaçonave inteligente e voaram quatro vezes até a lua e cinco vezes até o último planeta que ficava pertíssimo do sol e que ainda ninguém tinha descoberto. Quando se cansaram de tanta lonjura, inventaram uma portinha dentro do livro, para que eles pudessem passar de lá pra cá e de cá pra lá, todas as vezes que quisessem. Foi assim que um dos meninos despenteados aprendeu a gostar de comer brigadeiro até dar dor de barriga e o outro entendeu que os meninos das histórias podem ter até preguiça de pentear o cabelo como os que costumam dormir lendo um livro de páginas coloridas no sofá.

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