Fado

Mastigava um caramelo soberbo e acenava com a palma da mão em concha, como se quisesse emoldurar o sorriso impreciso e a fileira de dentes lacrimosos. Lá de longe, ele falava devagar, parecendo escrever as palavras todas dentro do verde dos olhos que acenava e acenava. Falava sem som, como num filme em preto e branco, ébrio de saudade antecipada. O caramelo ia de lá para cá, de lá para cá, sem objeção nem escândalo. Traçava com diligência o percurso de um estrago anunciado pela voz estridente que chamava para o voo. Ele abafava seus anseios na austeridade daquele espaço de névoas e ela continuava a mastigar o caramelo que se desmanchava e derretia, iluminando ainda mais o brilho do batom cada vez mais vermelho. Ele quase gritava palavras mudas enquanto o gosto de açúcar impregnava seus sonhos sem cor, etéreos, invisíveis. Nunca os olhos dela estiveram tão verdes.

(imagem: http://www3.uma.pt/blogs/box-m/wp-content/uploads/2008/12/adeus.bmp)