Fico pensando se os atuais jogadores da Copa, daqui a alguns anos, merecerão uma biografia. É que acabei de fazer um curso maravilhoso com o Ruy Castro sobre Ciência e Arte da Biografia, lá no Centro Cultural B_arco de São Paulo, quando muito se discutiu sobre esse aspecto. E como hoje a coluna do Ruy, na Folha de São Paulo (A2, 28/05/2010), aborda o incontrolável “surto cívico” generalizado deste momento, passei a me questionar. Concordo com a tese defendida no jornal de que quando se torce por um time do coração, mesmo que aconteçam tropeços, essas frustrações acarretam sofrimento e atrapalham a harmonia da vida, mas a torcida continua. E que é diferente na Copa.
Os jogadores da seleção quase sempre estão ausentes das coisas brasileiras, vivenciam outras culturas pelo mundo afora, tornam-se robotizados e “monotonamente parecidos, com sua cabeça raspada e brinquinho na orelha”. Da grande maioria desses jogadores, as pessoas, em geral, não sabem ao menos os nomes. Com raras exceções. Mas eles formarão o elenco da Copa e deles se espera sempre um jogo cheio de categoria, de luta, um jogo espetáculo, afinal, o treinador brasileiro está obrigado a armar o melhor time, pois “pode convocar os jogadores que quiser, mesmo que joguem em Júpiter”. E assim o país pára e se emociona ao vê-los embarcarem para a África, ao encontrá-los aos montes nas fotografias da mídia, ao imaginar que eles vão jogar bem e bonito, enchendo os corações verde-amarelos de júbilo e de orgulho por pisarem o mesmo chão que (outrora) também já foi deles. O país pára e esquece a sucessão presidencial, o acordo Brasil/Irã, a fome, os deslizamentos de terra que soterraram milhares de sonhos. O país pára e fica aguardando que o telefone toque para que se possa ganhar uma camisa amarela com a assinatura do Pelé.
Então me lembro dos ensinamentos do escritor a respeito das características de uma biografia, ele que já escreveu sobre a vida de Nelson Rodrigues, de Carmen Miranda e de Garrincha, entre outros tantos: o biografado tem que ter sido pessoa importante (a biografia só deve ser feita depois da morte) – mesmo que não tenha sido famosa, tem que ter tido trajetória pessoal e profissional digna de nota e também tem que ter influenciado outras pessoas com seu projeto de vida. Biografia vale a pena se tiver compromisso com a verdade e se falar da vida da pessoa, e não apenas do poeta, da cantora ou do atleta. Vale a pena se enfocar todos os lados do prisma que são imprescindíveis para trazer a público não só seu perfil ou suas memórias, mas os fatos que sintetizaram toda uma existência de feitos, de valores e também de conquistas, com suas vitórias e dissabores. Biografia deve ser um gênero literário que propicie ao leitor o prazer de estar junto da pessoa sobre a qual se escreveu. Que propicie devotamento e honra de conviver com o biografado por escrito, durante todo o desenrolar dos acontecimentos de sua vida. Em síntese, biografia, para Ruy Castro, é “comércio de emoções”.
Fico então pensando se os atuais jogadores da Copa, daqui a alguns anos, merecerão uma biografia.
Maria Teresa, respondendo a sua pergunta: Acho difícil. A fama é momentânea, depois eles voltam para os times e tchau.
ResponderExcluirNunca vou entender porque o brasileiro só é patriota de 2 em 2 anos, intercalando Copa e Olimpíadas. Triste, muito triste. A pátria inexiste nos intervalos dos dois eventos?
Bjs
Maria Teresa, tudo bem? Acho que os botões nos "pregaram" literariamente neste sábado pela manhã - os botões do meu texto e os que dão nome ao seu blog. Ao seu fantástico blog, diga-se. Parabéns pelo belo sítio. Também gostei demais deste texto. Este curso que você fez com o Ruy Castro deve ter sido muito interessante. Obrigado pela leitura e pela passagem no meu blog. Também estou te seguindo. Abraços!
ResponderExcluirVera:
ResponderExcluirÉ isso. Agora é momento de colocar bandeiras nas janelas e de pintá-las no asfalto da rua. Daqui a pouco, elas vão ser dobradas e guardadas ou vão ficar desbotadas, até que desapareçam.
Bjos
Marcelo:
Seja muito bem-vindo! De fato, os botões nos "pregaram", pois eu gostei muito de ter visitado o seu espaço e de ter conhecido, hoje, o poder dos "átomos desembestados".
Quanto ao curso com o Ruy Castro, valeu muito a pena. Foram quatro dias prazerosos e estimulantes para quem aprecia o manejo com as palavras.
Abraços
PARA trabalhar as palavras e poder tirar delas ainda mais mensagens válidas, nem que sejam só quatro dias de cada vez, amiga!
ResponderExcluirBEIJO
Lusibero
Com sinceridade? Não...não merecem biografias,no máximo figurinhas com seus rostos para serem coladas no álbum da Copa.Talvez os mais antigos,como Pelé,Rivelino,Tafarel ...estes sim honraram a camisa verde e amarela !Atualmente fala mais alto o dinheiro,as "noitadas"e as "baladas".O nome do Brasil? Prá que?
ResponderExcluirGrande Beijo,Teresa!
Certamente Ruy Castro é Mestre quando aborda seus temas. Sobre a copa, apenas discordo quanto ao envolvimento do povo nesse tão esperado evento. Sempre me empolguei com os jogos do Brasil, torci, bradei, sofri, apesar dos meus anos e desenganos. Sem dúvida a copa é oportunidade para se deixar de lado os problemas e vivenciar com emoção sobre a sua significação cívico-social. Afinal, as naçoes se congregam em um só pensamento e um objetivo. Atrás desse fenómeno está toda uma comoção patriótica, viva e atual. Sem dúvida muita coisa entra em jogo para desvirtuar essa festa internacional, mas o torcedor já não tem olhos para isso, quer vitória e quer ver a bandeira do Brasil balançar... Eu me empolgo e agradeço poder ainda assistir a mais uma dessas celebrações, absorvida no verde-amarelo de todos os sonhos. Afinal, sou também POVO. Beijos RU-Mãe
ResponderExcluirMaria:
ResponderExcluirÀs vezes até um minuto merece uma comemoração, claro que sim. Merece louvação numa crônica, numa foto, num poema. Agora, biografia já demanda maior envolvimento com as outras facetas do prisma, não é?
Beijo carinhoso
Roseli:
Pois é, como Ruy Castro disse naquele artigo da FSP, alguns jogadores que nunca foram campeões do mundo como Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Zizinho souberam vestir a camisa verde-amarela com muito maior envolvimento que tantos outros que trouxeram o caneco; a questão é de coração. Coração brasileiro!
Beijo grande
Ru:
Sem dúvida alguma que é maravilhoso acompanhar esse sua filosofia de vida, que defende apaixonadamente tudo o que preenche a alma de emoção. Sinto-me privilegiada por isso; entretanto, e lembrando nosso venerado Fernando Pessoa, "o que em mim sente 'sta pensando", apesar de tudo.
Beijos
Como acontece com tanta gente e com tantos fatos em nosso país, o grande problema remonta à educação, à formação de cada um deles. A famosa baixa renda não deixa tempo nem concede um espaço capaz de preencher essas necessidades básicas. A maioria absoluta desses rapazes vêm desse estrato da população, onde o grande sonho dos pais é ter um craque entre os filhos e poder enfim melhorar sua condição de vida. O dinheiro, para muitas pessoas carentes, simboliza a solução de todas as faltas. É verdade que a falta dele dá origem a muitos problemas; muitos desses problemas no entanto se tornam complexos demais e não podem ser resolvidos somente pelo $.
ResponderExcluirSimplificando: a vida dos meninos dificilmente vai render uma biografia do tipo idealizado por Rui.
Acho que falei demais, né? <:
Beijo pra você.
A ideia de patriotismo, para mim, é meio desagradável; por isso, acho apenas ridículo todo esse auê em época de campeonato mundial de futebol. Não chamaria o que ocorre entre a população nesse período de "surto cívico" não.
ResponderExcluirSe algum desses atletas merecerá biografia escrita? Talvez. Produzem-se aos montes textos laudatórios sobre a vida de tantos zé-ninguéns, por que não sobre a deles, que movimentam muita grana mundo afora (e grana é algo muito eloquente, mesmo que literariamente inapropriado).
Espero que tenha aproveitado bem o curso dado pelo R. Castro. Um abraço.
Um longo feriado nacional se aproxima,entre algumas horas de trabalho e o dia todo "torcendo" a nação"
ResponderExcluirviva la vida?
anjo és sim,utopia é assim achares!
bzu mãos suas mestra anjo
viva la vida
Uma biografia que gostei muito de ler foi a Roland Barthes, Maria Teresa. E tão bom quanto uma biografia bem escrita é ler cartas de pessoas que admiramos. Eu adoro! Já participei de um congresso sobre Cultura Escrita (cartas). Trabalhei com as de Van Gogh.
ResponderExcluirUm abraço!
Dade:
ResponderExcluirNão falou demais não, falou bem. A situação é complexa mesmo e existe uma precariedade de valores, sem dúvida. Talvez, para o Ruy, valesse a pena um perfil; acho que ele não faria biografia não.
Bjo
Halen:
Tenho muitas restrições a essa euforia, ao estado de embriaguez da razão e do espírito crítico. Entretanto, na hora agá, ao ouvir o hino, emociono-me. São os paradoxos moldadores do ser humano tão difícil de entender...
Abraços
PS: adorei o curso do Ruy.
Ricardo:
Agradeço o retorno e a visita carinhosa.
Abraços
Nivaldete:
Já anotei a indicação. Vou atrás da biografia do Barthes. Também adoro cursos desse tipo de que você participou - imagine Cartas de Van Gogh!! Estou sempre de olho nos que aparecem por aqui.
Bjos