domingo, 18 de outubro de 2009

Gorro





Nascera com aquele cabelo lisinho à Ronnie Von. Repartido do lado direito e com aquela franja castanha caindo na testa e escondendo o pisca-pisca de seus olhos cor de caramelo. Nunca vi ninguém que piscasse tanto, principalmente numa situação de maior ansiedade. Mais alto que os outros meninos que batiam uma bola cheios de gabarito, naquela rua da Barra Funda, tinha ossos pontudos e pernas longas, incompatíveis com sua posição de zaga, mas o que não combinava mesmo com o joguinho disputadíssimo de toda semana era a tal viseira lisa. Adotou então um gorro que lhe prendia os fios rebeldes e daí ao apelido que ele detestava foi um pulo: Berretto, o correspondente ao que ele levava agora na cabeça, na língua de Dante. Pedia que lhe chamassem pelo nome, mas Berretto soava melodioso aos ouvidos daqueles italianos de fala sonora. Depois do gorro, até que sua participação melhorara e quase nunca ficava de fora, se bem que em jogos como os deles só os que eram muito ruins deixavam de entrar em campo. Berretto piscava a cada Berretto que ouvia, mas ficou Berretto. Certa vez, quando recebeu seu primeiro salário, fez um trato com os amigos: “vamos comemorar o enterro do Berretto; a pizza é por minha conta, mas vocês terão que me chamar pelo nome: serei Olavo para sempre”. Todos concordaram e se esbaldaram; era Olavo pra cá, Olavo pra lá e até pediram sorvete para rebatizarem o Olavo. Só na saída é que esqueceram o Olavo, ressurgindo como fênix o Berretto. “Arrivederci, Berretto!” E Olavo-Berretto piscava e piscava. Todos gostavam dele, que adotara uma tiara e até criara músculos com sua mania de corredor, mas continuavam as piscadelas a cada Berretto; nunca se tinha podido livrar delas. Até que entrou na faculdade, ficou careca e a viseira de cabelos lisinhos tornou-se mais amadurecida e comportada. Implorou aos amigos - todos juntos também no meio jurídico - suplicou-lhes que deixassem aquela coisa de Berretto pra lá, afinal, estavam mais velhos e ingressavam num meio cheio de formalidades. Prometeram-lhe e o Olavo até se convencera de que eles eram amigos de verdade. O curso prometia e os professores eram seriíssimos. Certa vez, no entanto, durante uma prova, todos em perfeito silêncio, Olavo começou a piscar mais que o normal: é que pelo microfone, naquela sala gigantesca, ouvira o engravatado professor dizer que a secretaria solicitava o comparecimento de um dos alunos, logo após a avaliação: “Berretto”, ele disse. “Quem é Berretto?”

3 comentários:

  1. Coitado do OLAVO.
    Esse negócio de apelido é complicado. Muitas vezes o que pega é aquele que o "dono" não gosta.

    Bjs

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  2. Berretto voltou pra Olavo que voltou pra Berretto... Coisas da vida... Foi poético, afinal. Um beijo.

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  3. Vera: e o pior é que pega mesmo, não há argumento que possa fazer o apelido ser esquecido! Beijo.

    Nivaldete: são essas coisas da vida que nos servem de inspiração, não é? Beijo.

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