quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Flores

Quase escondida entre os gerânios lilases ao lado das hortênsias azuis, ela. Era impossível não parar ali, diante do portão vazado, para procurá-la no meio das rosas e dos copos de leite, regando e regando e quase sempre arrancando as tiriricas. Uma a uma, se não aquelas batatas que ficavam dentro da terra faziam com que elas brotassem de novo. Todas as manhãs bem cedo, umas três horas ao menos; todas as tardes, junto com o pôr do sol, umas três horas ao menos. Regando e regando. Deixando a terra macia para o colorido preencher todo aquele espaço, para o perfume invadir o ar, para as pessoas passarem por ali e pararem diante do portão vazado.

Viera com cinco anos do Japão direto para os cafezais. Ali crescera, aprendera com a natureza a conhecer a hora de plantar e a hora de colher. Aprendera que gente é que nem planta: escuta, vê e sente tudo com intensidade e por isso precisa que alguém regue e regue, mesmo quando o céu está com cara enfezada. Cuidando da plantação de café aprendera a cuidar dos nove filhos e mais tarde dos netos; só não aprendera a lidar com as palavras, mas tornou-se orgulhosa daqueles brotos seus que com elas não tinham inimizades. Soube regá-los sempre, afofar-lhes o solo onde pisavam, dizer sim e dizer não. Sua existência era adubada e suas palavras, intensas. Aprendeu que o tempo é o segredo da sapiência e tornou-se sábia.

Há uma semana seu coração doeu e explodiu e as flores do jardim emudeceram. Não sentiram mais a maciez de suas mãos calejadas e sofreram de solidão. No entanto, quem passar por aquele portão vazado, hoje, terá certeza de que durante oitenta e tantos anos ela sempre soube que saudade é o amor que fica. É por isso que os gerânios lilases, as hortênsias azuis, as rosas e os copos de leite estão ali, viçosos, desabrochados, repletos de amor neste tempo em que um círculo se fecha coloridamente para que outro se possa abrir, cheio de perfume.

(foto: http://jardim-e-paisagismo.blogspot.com/2009/03/hortensias.html)

9 comentários:

  1. Olá Maria Teresa
    Segui o seu convite e gostei. Vou passar mais vezes e penso que vou ficar visita assídua.
    Beijinho
    Lourdes

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  2. Que história bonita, colorida, perfumada e comovente!
    "Deixa a página virar, deixa o coração em flor se abrir".

    Bjs

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  3. Maria Teresa

    Aceitando seu convite para conhecer seu espaço, cheguei de mansinho e fui me encantando com seus escritos, com suas histórias, com seu lindo cantinho. Tanto me encantei que resolvi ficar.
    Obrigada pelo convite, porque me propiciou conhecer mais uma pessoa, mais uma possivel amiga.
    Beijos e bom dia.

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  4. Lourdes: seja muito bem-vinda! Vai ser um prazer encontrá-la mais vezes por aqui.

    Oi, Vera: como é bom saber que somos cercados de flores e de pessoas que cuidam delas com ternura, não é?

    Dulce: realmente cada vez mais acredito que os contatos virtuais não têm aquela aridez com que muitos o pintam; pelo contrário, ampliam laços e perfumam o contidiano.

    Beijos a vocês!

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  5. Nossa, que lindo. Quanta poesia! As palavras tocaram meu coração e fizeram com que meus olhos se enchessem de lágrimas.
    Beijos
    Vanessa

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  6. Essa é uma história verídica, Vanessa! Contei-a para homenagear a ternura de toda uma vida. Beijos.

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  7. Sim, logo percebi e por isso mesmo que me emocionou tanto. Lindo!
    Beijos

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  8. Eu, como o último botão dessa flor que foi se enraizar em outros caminhos, espero que o pólen por ela espalhado possa fazer com que novos botões floresçam em muitos corações...Obrigada pelo carinho, pela sensibilidade e por sua maestria.

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  9. Adriana: espelhando-se por esse último botão, uma multidão de flores certamente tingirá o mundo de matizes mais brilhantes e mais humanos.

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