sábado, 26 de setembro de 2009

Choque

16/09/2009 – FOLHA DE SÃO PAULO
Invenção suíça permite recarregar celular com calor corporal do usuário
da Efe, em Genebra (Suíça)
Recarregar o telefone celular com o calor do corpo de uma pessoa pode se tornar realidade muito em breve graças a uma invenção que venceu nesta quarta-feira (16) o prêmio "Swisselectric Research Award 2009", concedido pelas companhias elétricas da Suíça.
O inventor, Wulf Glatz, um cientista de 35 anos da Escola Politécnica Federal de Zurique, uma das mais tradicionais da Europa, desenvolveu um gerador que transforma o calor em uma corrente elétrica. Para isso, utiliza a diferença de temperatura entre a fonte de calor e a do ambiente, o que não gera emissões de gases poluentes.


- Cadê o calor de seu corpo capaz de carregar o celular?

Ela estava indignada com aquela desculpa desmedida e desatou a derramar uma aguaceira daqueles olhos cheios de discórdia. Minha prioridade eram os geradores. Só os geradores. Os fantásticos geradores que proporcionariam economia nas contas de luz e que brecariam os resultados do efeito estufa. Eu só enxergava engrenagens, só ponderava sobre gases poluentes, só projetava inventos politicamente premiados, isso é o que ela achava.

Conhecemo-nos na Poli e é certo que desde aquela época eu não conseguia escovar os dentes sem pensar em corrente elétrica. Desde aquela época, ela parecia estar à beira de um colapso de tantos ciúmes que sentia dos gases poluentes e dos sistemas de calefação. Claro que não posso me queixar, pois ela sempre fora testemunha das sutilezas ideológicas dos meus inventos e aprendera a avaliar filosoficamente a importância de suas repercussões.

Só que cientista não combina com sala de visitas da casa da sogra! Disso ela nunca teve a devida dimensão e meu tiro saiu pela culatra. Há tempos, vinha explicando a ela aquela minha ideia top de gerar energia com o calor do corpo. Aliás, ela já estava estranhando minha mania de termômetros e incomodava-se com as milimétricas medidas monitoradas por aquele minúsculo aparelho vip, minha mais maturada invenção, responsável por mostrar ao mundo que mentes privilegiadas conseguem mirabolantes resultados com mestria. Contei-lhe sobre ele entre taças de vinho e carícias sedutoras que eu também sabia fazer bem e de que ela gostava tanto.

Era domingo, véspera do início da primavera e eu lhe prometera que compareceria à festa de 80 anos de minha sogra dileta no dia seguinte, claro que sim. Só faltavam alguns retoques no relatório que eu deveria enviar à Suíça, para concorrer ao prêmio “Swisselectric Research Award 2009”. Seria a coroação de meu êxito que, para alegrar a filha, seria dedicado à mãe. Sairia da Cidade Universitária com tempo de sobra, portando um vaso de rosas brancas e meu inteli mimo gente. Já estava com tudo engatilhado, mas as flores me olhavam com cara morna de baterias subversivas.

Então, quando fiquei preso do lado de lá da Marginal, por causa da chuva sem dó, não atendi às suas milhares de chamadas e nem me importei de perder a festa. Ali mesmo no carro fiz mais alguns gráficos, que esclareceriam sobremaneira as supostas dúvidas que poderiam surrupiar minha condição de sustentáculo surpreendente da preocupação ecológica e que me afastariam de meu merecido reconhecimento global. Entrando em casa, logo vi seus olhos grandes que luziam no escuro perguntando-me:

- Cadê o calor de seu corpo capaz de carregar o celular?

Simplesmente respondi, com a máscara mais sonsa que eu consegui dependurar na cara, que a corrente elétrica fora tanta, que tinha dado curto!



7 comentários:

  1. Maitê,
    permita-me chamá-la assim, minha linda!
    Você deve ter observado que já sigo vc há alguns dias...
    Gosto do seu jeito de escrever, muito gostoso de ler.
    Seu blog é uma graça de viajar por ele.
    Bjs

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  2. Oi, Graça! Percebi, sim, sua acolhida e estou muito feliz em sua companhia. Agradeço a visita carinhosa; venha sempre tomar um cafezinho por aqui! Abraços.

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  3. Isso não é nada novo pra mim, visto que é o calor de sua amizade que, há anos, recarrega minhas baterias... Parabéns pelos três meses e obrigada por esse tempo de reflexões tão calorosas...
    Beijo com carinho. RIT@ MARQUES

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  4. Teresa querida, que delícia ter contato com essas doces palavras que, como por encanto, saem de sua alma e nos envolvem com calor! Um beijo muito carinhoso...

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  5. Rita e Lili: fiquei muito feliz com a visita! Se as palavras são calorosas, isso é também é consequência da ternura de vocês que abraça, que acalenta. Afinal, calor do corpo igualmente é capaz de carregar o coração! Beijos.

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  6. Que delícia de texto! Retrata de forma tão sensível e perfeita uma situação absolutamente verossímil! Parabéns!

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  7. Estamos chegando lá mesmo, não é Cássia! Um grande abraço!

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