segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Tricô

Somos pobres de histórias surpreendentes e o homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado. O tempo está sempre atropelando o imaginário, ninguém mais tem paciência de ouvir, ninguém quer saber de contar, só de correr atrás do tempo. Daí me surpreendi quando saí a pé para comprar minicebolas e vi aquela senhorinha sentada no muro em volta da árvore da rua. Tricotava e ouvia um “o que você vai dizer, Dorotéia?” no minúsculo radinho de pilha que com ela conversava, no colo; foi muito rápido, eu andava voando, meu tempo era curto, mas percebi que participava também da conversa seu cãozinho de pelo eriçado e coleira solta que ia de lá para cá. Talvez ele também quisesse saber o que Dorotéia iria dizer. Ocorreu-me então que para Walter Benjamin a arte de contar histórias se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a narração; que os que por ali passavam não se davam conta de que aquele era hábito em extinção: a senhorinha tricotava ouvindo uma história e tinha uma cara alegre de expectativa boa; no entanto, sua presença parecia transparente, como se ela não existisse, como se o que Dorotéia fosse contar não interessasse para a tediosa e alucinada corrida do tempo. Que vontade de saber a história de Dorotéia!

5 comentários:

  1. Fantástico Teresa, é isso mesmo! Hoje de manhã tive que abreviar um filme em menos de 5 min para dar tempo de contá-lo no café da manhã (como se ele fizesse algum sentido contato em pílula...). Quanto à curiosidade no meio da correria isso vive acontecendo comigo, principalemnte quando caminho sozinha no parque e escuto trechos de conversas das pessoas, mas tenho que seguir meu exercício. Que curiosidade... kkkk

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  2. E assim a gente vai perdendo uns bocados de vida saborosa, não é?
    Beijos,
    MTeresa

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  3. prof, pq será q eu nao consigo comentar no último post? o da "Galinha" ... gostei mtoo do texto! achei a descrição da cena uma comédia, mas eu queria perguntar... se a primeira pessoa é de uma galinha... (que medo de ter entendido tudo errado! ha ha) bjos

    annapark

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  4. Oi, Anna:
    Não sei por que não funcionou o comentário do último post. Na realidade, o que eu fiz lá foi uma mudança de foco narrativo do texto da Clarice. No texto original, há um narrador em 3a. pessoa que conta uma cena da galinha em fuga, na hora de ir pra panela mesmo e eu alterei essa voz, narrando a mesma cena sob o ponto de vista do pintinho ainda não nascido, ou seja, um "personagem" bem "desimportante" do texto literário (que está no livro LAÇOS DE FAMÍLIA).
    Beijo,
    MTeresa

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  5. ahhh tá! faz mais sentido sabendo disso! vou tentar ler o conto um dia.

    (queria muito ler o "A Paixão Segundo G.H" mas vacilei depois que li o que a clarice lispector escreveu no prólogo ... resolvi esperar um pouco... he, he!) bjs!

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