segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Placas

O lugar era minúsculo, mas a comida, digna de aparecer como finalista e de ser registrada em todas aquelas colunas de gastronomia cuidadosamente emolduradas e estampadas na parede. Minha sorte é que sentei num canto de onde observava o movimento todo, as explicações de cada um dos pratos premiados, a cara de expectativa de quem esperava na calçada, sob a árvore de tronco bem curvo, como se ela também já estivesse cansada de ficar ereta como convém a toda árvore; no entanto, dali também eu podia ver claramente a placa da Rua Abílio Soares, nítida através das vidraças enfumaçadas com o calor do burburinho de dentro em contraste com o ar gelado de fora. Aquela placa ainda fazia parte de minhas últimas lembranças, quando ouvi com deleite a história do filho de 15 anos que, em sua cidade natal, resolveu homenagear o pai com uma placa de rua. Contou que mandara fazer uma meia dúzia delas com o nome do homenageado e colara-as nos principais postes e paredes, em lugares bem visíveis, como convém a toda placa. E que fora às companhias de luz, de água, de gás, de telefone, dizendo em cada uma delas que havia problemas de iluminação naquela rua, que lá as ligações não se completavam, que as torneiras estavam secas, e tudo mais que sua fértil imaginação bolava para embolar a lista dos atendentes que não achavam nas suas listas o nome da dita rua, mas anotavam o endereço e prometiam o reparo com a presteza que convém a tais companhias públicas. Há mais de quarenta anos naquele lugar o filho continua reverenciando o pai, então eu fiquei pensando que “se fôssemos imortais, poderíamos adiar todas as coisas” como já dizia o médico Viktor Frankl, que sobrevivera a um campo de concentração, mas nossa finitude nos obriga a observar que a vida é agora; assim, ela espera que nós confeccionemos placas para registrarmos nosso espaço e que deixemos nosso legado estampado nos muitos postes, paredes e corações, com letras bem graúdas e nítidas, como convém a todas as histórias de quem algum dia pensou em criar uma placa.

2 comentários:

  1. Maria Teresa,
    Fiquei emocionado com a forma sensível como essa história foi contada. Conheci esse rapaz bem de pertinho .Abraços HD

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  2. Imagine então como é prazeroso conviver com ele e com seu jeito espontâneo de colorir a vida! Abraços, MTeresa

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