terça-feira, 25 de agosto de 2009

Enredos

Com o acontecimento nas mãos, saí com aquele sorrisinho cheio de nuvens. Chorava sem fazer caretas, pois a fatalidade nos faz invisíveis. No entanto, não se assimila nada se o coração não está presente e aquela ideia de que um ama e o outro se deixa amar fazia-me tropeçar nas pedras dos vocábulos. Meu silêncio resignado, porém, ocultou mais ainda a desarmonia das mentiras insondáveis que, vagarosamente, fui construindo a seu redor.
Tudo fora tão cuidadosamente planejado, que o mundo lhe entrara porta adentro, não lhe oferecendo possibilidade de retorno. Você parecia domesticada e a vida, fonte de gozo perpétuo. Entretanto, existia demais, sentia demais. Olhava-me com seus olhos redondos e arregaçados, compondo enredos cheios de acordes que eu não compreendia. Você era fotografia muda e não proferia frases, mas cantarolava melodias ternas. Meu espírito preconcebido não se deu conta da mudança: os dias passaram a ser quadriculados e tornaram até nossas roseiras mesquinhas. Você planou na transparência de seus pensamentos e eu fiquei emoldurado no porta-retrato da sala de jantar.
Foi quando a música fez as paredes desabarem. Música soletrada pelas palavras que, pouco a pouco, você quis registrar naquelas folhas que o tempo cuidará de amarelecer. E enquanto seus pensamentos sonharam fábulas delicadas, que a conduziram para fora de meu egoísmo, sua atenção desatenta tudo anotou e construiu uma longa distância no tempo de expectativas perfumadas.
Agora, ciente de que lutam melhor os que têm sonhos melodiosos, desejo voltar e contemplá-la, para, quem sabe, um dia me tornar protagonista de sua mais bem acabada história, aquela em que a única possibilidade é encarar a verdade a cada acorde e o amor, a cada respiração.

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