- A maior luta é sempre a da gente com a gente, ela me disse
ainda com os olhos marejados. O sofrimento parece uma moita de bambus num campo
seco, que se vai desfazendo. Quase tudo acaba com o tempo, não o sofrimento.
Resistente, deixa marcas que se vão cobrindo, mas as cicatrizes não se
obscurecem; pelo contrário, ficam cada vez mais evidentes no profundo. Dizia e
olhava o nada, falando também com as mãos, seu jeito de sempre. E prosseguia:
- A
felicidade foi tanta, que incomodou, isso que aconteceu. É, foi desparafusada,
desmontada e levada embora para o longe do perto, como se seu peso fosse
suficiente para esmagar afetos. Esses também não se dissolvem, por mais que se
distanciem. Parou então de falar e chorou mornamente, para que as lágrimas
pudessem derreter seu abatimento. Então eu perguntei:
- Você
não vai reagir, não vai dizer nada?
- Não
existe linguagem sem engano e as coisas estão longe de serem dizíveis, não é? Eu sei que sim, continuava, quase sem levantar
os olhos. Importante agora é saber segurar as alegrias momentâneas, transparentes
como um líquido, na concha das mãos. Sem testemunhas, sem registros, sem comprovação.
- Você
está preparada? Sente-se forte o suficiente em saber o que fazer com a vida que
virá?
- Você
sabe? Quem sabe? Se é verdade que podemos viver uma pequena parte daquilo que
há em nós, fingirei isso. Por fora. Farei com que a ilusão tenha gosto de
canela, seja sedutora e mascarada. A canela tem poder de anestesiar rudezas e
torna o bolo macio, irresistível.
- E a
outra parte? – perguntei.
- Essa ficará
registrada com palavras, como num espelho em negativo; por que perder tempo com
egoísmos e com possessividades? – perguntou, e então fixou os olhos nos meus.
Essa
conversa, lembrei-me dela ao ver a foto amarelada. Se as distâncias amenizaram
seu sofrimento? Talvez sim, talvez não. Os afetos certamente solidificaram
aquelas cicatrizes, pois afetos são perenes, têm fios invisíveis e abraçam o de
dentro. Por fora, só fica mesmo o cheiro de canela.
O sofrimento nos marca mas nos forma. Torna-se parte de nossa personalidade, nos faz fortes, persaverantes... Sobretudo se vem acompanhado das bênçãos de Deus.!
ResponderExcluirBJ RUTH
Ru:
ResponderExcluirSofrimento também é abençoado. O dos livros e os outros.
Beijo carinhoso
Senti um ou outro traço de Guimarães Rosa neste seu texto amargo e ao mesmo tempo sedutor. Mais uma bela lição de bem escrever, Maria Teresa. Um grande abraço.
ResponderExcluirMarcelo:
ResponderExcluirEsses traços que você vê alegram o de dentro! Obrigada.
Abração
Um belo texto (o que não é novidade), um texto cheio de verdade.
ResponderExcluirMuito bom, Maria Teresa.
Beijo grande.
Dade:
ResponderExcluirbom ver você por aqui.
Bjo carinhoso