segunda-feira, 11 de junho de 2012

Rugas





              Era uma vez um atrevimento em forma de prega. Instalara-se ali com aquela audácia dos que chegam, acomodam-se e ficam para sempre. Não era única, isso sabia que não; era previsível também que se misturasse a tantas outras já mais antigas, já mais vincadas e profundas, no entanto, sentia que sua juventude velha no meio das demais lhe daria um ar de curiosidade franzida com cheiro de coisa nova. Daí a estupefação que causou. Ainda atordoada por tanto burburinho, esboçou um alongamento de músculos e encolheu-se, bem na hora em que Marina se olhou no espelho redondo, aquele de aumento, usado para maquiagem ou correção das sobrancelhas. Foi seu momento de glória! Glória efêmera, todavia! Isso porque uma ruga, por mais vigor e despreparo que apresente, é sempre ruga inconveniente, outorgada a toda pele mais cansada, mais afeita a movimentos rotineiros sempre os mesmos, sempre os mesmos. Por isso que o que se viu a seguir, com o pasmo reconhecido das outras rugas, mais sisudas e bem fincadas ao redor dos olhos, ao lado da boca e no alto da testa foi digno de uma crônica e de uma página musical e de uma tela de pintor: Marina olhou para a novata, esticou-a, como se não acreditasse no que via e fez aquela cara doce, própria de quem ri com duas covinhas na bochecha há mais de cinquenta anos.  Então a ruga corou de vergonha e definhou no instante mesmo em que surgiu. E Marina riu de novo e de novo e mais ainda ao perceber que sua risada tornava a prega coisa à toa, traço quase invisível no de fora, diferente do de dentro, bem vincado, amadurecido, sedutor.

  (imagem: http://www.google.com.br)

10 comentários:

  1. Bom dia, Maria Tereza!!!

    Tudo bem?

    Que texto lindo para reflexão! Nos faz ver que, apesar de indesejáveis, as rugas podem ter maior ou menor importância dependendo de como nos colocamos diante destas cicatrizes do tempo.

    Grande abraço!

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  2. Limara:
    elas são inevitáveis, mas significativas, não é? E demandam outra espécie de alinhavo...
    Beijo carinhoso

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  3. O que mais gostei foi o final, onde você compara a ruguinha à toa de fora com os vincos de dentro. Texto maduro, reflexivo, primoroso. Você se supera a cada nova lavra, Maria Teresa. Parabéns.

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  4. Outro texto muito bom, Maria Teresa. Muito fiel à realidade, como você costuma produzir.

    Beijo!

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  5. Obrigada, Marcelo. É um prazer enorme encontrá-lo por estas bandas, com toda sua gentileza. Grande abraço.

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  6. Dade: muito obrigada. A realidade é pródiga de estímulos, não é? Beijos

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  7. Muito sábia essa Marina! Ri porque sabe que essa ruguinha nada mais é do que um passo em um caminhar pela vida entre momentos intensos, colhendo dores e amores, alegria e lágrimas, experiências e frustrações, enfim, nada mais é do que um sinalzinho de que a vida segue em frente inexoravelmente e que é preciso saber colher cada momento desse caminhar...
    Lindo texto, minha amiga!
    Beijos e um bom dia para você.

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  8. Dulce: a colheita é proporcional àquilo que se aprendeu, claro que é. Agradeço muito esses seus comentários que tornam sempre muito ternos meus momentos de "colher".
    Beijos

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  9. É claro que "rugas" podem ser "psicológicas""! O bom humor, a aceitação da vida com todas as suas nuances, tornam mesmo esse "probleminha" de efeito menor. Se me encaro com alegria e felicidade,não há rugas que intervenham em minha disposição. O que vale é o que sou e o que sinto...
    Bj RUTH

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  10. Ru:
    palavras sábias, como sempre. Bjos

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