domingo, 17 de junho de 2012

Clickers



            Não vou mais levar meu clicker pra escola, não vou não. Por quê? Porque não. O vovô me contou que, na época dele, as crianças podiam levantar a mão quando quisessem responder as perguntas e eu fiz isso hoje e a professora me deixou falar, mesmo sem eu ter apertado o botão do clicker. É, minha voz saiu meio rouca, afinal, não tenho praticado a fala, né? Mas todo mundo olhou pra mim de um jeito, que eu me senti vitorioso, mesmo tendo errado a resposta. É, errei, mas o que eu disse não teve importância nenhuma, claro que não. Foi o modo de responder que foi demais; o Pedro também achou isso. Tanto que quando acabou a aula e nós saímos, em vez de todo mundo ficar brincando com os jogos e disputando torneios pelo celular, eles apontavam o dedo pra mim e me mostravam para as outras crianças que não tinham me visto falar, sabe, falar com minha voz que o vovô diz que tem som de taquara rachada, mas eu não sei bem o que significa isso. 


            Você sabe que eu gostei do clicker quando você me deu de presente, não sou mal agradecido não. Achei demais descobrir como todo mundo da classe estava pensando, achei divertido e me senti feliz, porque sempre gostei de sair na frente e apertar o botão primeiro que todos, claro que eu nem ouvia a pergunta direito e chutava qualquer coisa. Eu nunca tinha contado isso? Achei que tinha. Depois começou a ficar muito chato, sabe? As crianças quase não falavam mais e só clicavam e clicavam o tempo inteiro, ficou cansativo. O Pedro também acha isso. 


            Expliquei pra ele (via celular, claro) que tenho um plano bem arrojado para nossa aula de tênis, mas ele disse que eu tenho que ter cuidado para colocar ele em ação. É assim: estou pensando em falar para o monitor de jogos que a quadra meio suja - porque ninguém mais entra lá - podia ser usada de novo; é, a quadra de tênis! Em vez de nós ficarmos zonzos com o jogo pelo celular, podíamos trazer nossas raquetes velhas de casa e jogar “ao vivo”! O Pedro achou meio avançada demais essa ideia, mas vou conversar sobre isso com o monitor da semana que vem, aquele de cabelo bem branquinho, sabe, o Pepe! 


            Por que eu não peço isso para o monitor desta semana mesmo? Ah, porque ele tem até calo no dedo de tanto apertar botão e a-do-ra tudo o que é aparelho moderno. Foi ele mesmo que foi falar mal de mim pro diretor, foi dizer que eu era rebelde, que eu não achava o clicker uma maravilha, uma forma de todo mundo dar opinião sobre todas as coisas, imagine! Se o Pepe não vai fazer a mesma coisa? Ele não; ele parece o vovô e deixa a gente até gritar de verdade quando acerta, em vez de apertar o botão do clicker onde está escrito shout. É, o Pedro também acha que eu tenho que ter paciência e que devo esperar para falar com o Pepe, mas não vejo a hora!
(imagem: Callie Richmond for The New York Times)

10 comentários:

  1. Fazia tempo que não vinha por aqui...uma beleza de post.

    Abraço do Pedra

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  2. Pedra do Sertão:
    Agradeço muito. Fiquei muito feliz com sua visita!
    Grande abraço.

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  3. Realidade de uma tecnologia que abafa a humanidade... Botões e controles remotos em tudo... Falar, ouvir, dialogar, meditar... são ações que se tornam ultrapassadas... Dai o excesso de terapias... Quando se podia brincar na rua, disputar heroicamente seus espaços, liderar ou não, respeitar o direito do outro nem que fosse à pescoçadas... éramos felizes e sabíamos!! Tenho pena dessas crianças de hoje robotizadas!
    Abraço, Célia.

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  4. Oi, Célia:
    Você está coberta de razão. Tenho muito receio dessa tecnologia que valoriza a solidão e o imediatismo.
    Beijo carinhoso.

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  5. -Mas o que é isso? Será que a próxima geração, ou essa geração de crianças que já está ai, vai se submeter a esse invento? Era dos robôs... Salve a minha era que foi de brincadeiras, leituras em voz alta, jogos de inteligência, romances, sonhos e realizações. Pobres dos que não viveram esse tempo feliz!
    Bj RUTH

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  6. Humor e crítica em um único e excelente texto. De parabéns, amiga dos botões - de verdade, não botões de clickers.

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  7. Ru:
    São boas lembranças de tempos bons. O jeito é aprendermos a viver neste de hoje para continuarmos embalando nossos sonhos.
    Beijos

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  8. Marcelo:
    Seus comentários aparecem sempre como grandes incentivos e como ternos momentos de alegria. Coisa boa!
    Abraços

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  9. Maria Teresa
    Já sentia receio do futuro e o seu texto veio-me fazer pensar ainda mais no assunto. Aposentada do ensino há 10 anos, tenho vindo a perder muito da evolução tecnológica que se verifica a cada dia que passa e, francamente, não me vejo num mundo de robôs.
    Espero bem que haja bom senso.
    Beijinhos
    Lourdes

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  10. Lourdes:
    Sem dúvida. Também acho que bom senso não poderá faltar mesmo entre as "engrenagens".
    Beijos

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