quarta-feira, 28 de março de 2012

Apetites


Quando eu era eu sem saber disso, não havia um minuto sequer de descanso. Eu era eu, mas não era, e esse tornou-se um problema gigantesco. Problema, pois quando somos de fato, sabemos tudo, temos consciência de nós mesmos, semelhante a um narrador que conta sua história e conhece o jeito de as personagens viverem o que elas são e não são.

Vou explicar melhor: tudo aconteceu tão rápido, que não deu nem para saber quando quebrei a linha divisória de minha situação anterior e passei para esta de agora. Antes eu era, mas não percebia isso, pelo menos no início, bem no início. E tive um trabalhão para me dar conta de meu nariz. Não só do nariz, claro. Dizem que eu tinha uma vida tranquila, mas muito se enganam os que pensam assim; fui a-con-te-cen-do e percebendo que gostava de ficar com as mãos fechadas, abraçando um oco e me sentindo bem com essa aproximação comigo. Apreciava outras coisas também, muitas coisas, e a cada minuto tinha um pasmo diferente que dava vontade de gritar e de cantar, mesmo sem ter a mínima ideia de como se fazia isso.

Agora já sou e me noto, o que é um alívio, mas às vezes procuro esquecer um pouco essa minha nova condição. Começo a perceber a saborosidade de deixar de ser eu para chamar mais atenção, para que isso possa ser encarado como o apimentado que tira o insosso das coisas, o escabeche que deixa o peixe dando água na boca, conforme ouço por aí. No entanto, apesar de todas essas idas e vindas, prossigo com aquela avidez por continuar prendendo meu oco dentro da mão: elas continuam fechadas e, muitas vezes, vão parar inteiras dentro da boca.


(foto: Maria Teresa Fornaciari)

8 comentários:

  1. ...eela, qual umn misterio inexplicável, saiu do seu aconchego maternal para nós, para o mundo que a recebe, feliz e agradecido. Ode á beleza e à vida!
    Bj RUTH

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  2. Isso é o que dá cismar de crescer... bem feito, bebê! Agora, com a consciência de si e dos outros, começo o seu suplício com o desencontro do que você realmente é e o que esperam de você.
    Eis, neste seu texto, Maria Teresa, todo o desencanto da raça humana. Sensacional.

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  3. Ru:
    Beleza que seduz, não é? Vontade de conhecê-la cada vez mais!
    Beijos


    Marcelo:
    Suas palavras sempre generosas me deixam muito feliz! Em meio a tantos desencantos, momento de alegria. Tanta. Obrigada.

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  4. Quando eu era eu sem saber quem era...que achado Maria Teresa, gostei muito dessa ideia...mas parece que saber quem sou eu, noutros aspectos é sempre uma constante! Sabemos o que sabemos, mas não sabemos tudo! kkkk
    Beijinhossssss

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  5. Manuela:
    Sem dúvida! Essa eterna busca de nossa essência é um estímulo e tanto... Quem de fato se conhece?
    Beijos

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  6. SÓ FICO IMAGINANDO O OCO DESSA MÃOZINHA PREENCHIDA COM UM BOM BRIGADEIRO BEM MOLINHO NA SUA BOQUINHA!!!!!!! DELÍCIA! DELÍCIA!
    ELA VAI GOSTAR!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!TAMBÉM! YES!

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  7. ... EU ERA EU MAS NÃO ERA???!!! SERÁ ??? NOSSOS CORAÇÕES JÁ ESTAVAM PREPARADOS PARA RECEBER VOCê!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  8. Esther:
    Como saber o que virá, não é? Como adivinhar as doses futuras de carinho? Quanta incerteza desde cedo...
    Beijo carinhoso

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