quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Acrobacias

          
               Vi o palhaço exatamente no momento de atravessar a linha do Equador. A tinta escorrida da cara e o elástico frouxo do nariz lhe davam aparência descuidada e triste triste. Como eu não tinha a mínima intenção de participar daquela festa americana à fantasia, concentrei-me no cheiro do mar. Na imensidão do mundo partido em dois. Na coragem de abandonar o punhado de mim para trás do lodo, do muro limítrofe do mundo. Na presença do quase menino de riso inflado e de pernas trêmulas, saltando em piruetas desengonçadas.
               Identificamo-nos. Mesmo com toda a náusea grudada desde a saída do porto, esqueci-me de minhas mãos mareadas e registrei aquele rosto. Quadro expressionista: enxergava o palhaço, é claro, mas a pintura vinha do de dentro, cheia de texturas e de vermelhidões; de guizos e de agonias lentas.
   
          

               Nunca mais cruzei a linha dos hemisférios. Aprendi a viver apenas com uma pequena parte daquilo que há em mim e finjo não perceber meus fragmentos. Junto-os como se fossem pétalas e vou espalhando-os nas telas. Invariavelmente com cara branca e nariz vermelho, vermelhíssimo.

                                                        
                                                               (imagem: fragmento de pintura em tela - Maria Teresa Fornaciari)

7 comentários:

  1. PASSEI E VI O QUE TINHA DE NOVO!!!

    TRISTE............... MAS UMA PRESENÇA!!!!

    1 BEIJO LÍDIA

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  2. A expressão, o olhar do palhaço, na tela, são impressionantemente tristes. Tristes como costuma ser a alma de todo palhaço, entre falsos risos e muitos guizos...

    Beijos e um bom dia, Maria Teresa.

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  3. Lídia:
    As presenças às vezes são vincadas, não é?
    Beijos


    Dulce:
    Talvez eles possam ser reconhecidos como o estereótipo de muita gente, acredito. Muito mais do que possamos calcular...
    Beijos

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  4. ... ele é meu amigo, meu cúmplice, as vezes é eu...

    triste? ... não ele não pode ser triste ...

    por trás da cara branca e boca também vermelhíssima sempre esboça um sorriso...

    a dor e o choro podem ser inventados, mas a felicidade só vale se for verdadeira...


    ele chegou com a tinta fresca... já tem 5 anos e o cheiro bom e a energia da minha casa gostosa!

    é meu! é único! Y E S!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    acrobacias???????? é o que fazemos todos os dias

    Esther

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    1. Você era a Nanã...agora é poeta, artista, professora, amiga,filha, irmã, esposa,cunhada, mãe, tia, madrinha,sogra e avó mas é ÚNICA... e como você nunca vai existir mais ninguém!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Y E S!

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  5. Esther:
    Amigos são assim: reconhecidos mesmo fora da moldura...
    Adorei você tê-lo encontrado aqui!
    Beijos

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  6. Esther:
    Desse jeito eu inflo inflo inflo!! Obrigada querida.
    Beijos e beijos

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