As manhãs do início de janeiro são sempre ensolaradas e frescas, pelo menos nos primeiros dias. Depois o calorão invade as frestas das persianas, antes mesmo de amanhecer. Mas aquela quarta-feira acordou-a com pancadas de chuva torrencial, assustando até o escuro do quarto meio abafado. Virou-se na cama procurando um afago, mas lembrou que estava sozinha.
Levantou-se preocupada, que droga, não tinha tirado o frango do freezer; pelo menos o peru finalmente tinha acabado, ufa. O peru e o pernil, que haviam ficado rolando na geladeira mais de uma semana. Voltou para a cama com o jornal que já tinha sido deixado na área de serviço. Preguiça até de pensar, mas a manchete com letras enormes sobre a vigilância da polícia na cracolândia estimulou sua curiosidade. Tempo de medo. Muito medo. E de angústia. A natureza também estava hostil, avessa à esperança de que tudo poderia começar do zero com muita harmonia: não parava de chover em Minas Gerais e já tinha morrido gente, já tinha desaparecido gente por lá nos deslizamentos de terra. Água em quantidade assustadora deste lado e pessoas queimando carros para celebrar o começo do ano lá na Europa. Por que o jornal não ficou atrás da porta? Apagou a luz e ficou ouvindo o barulho da água enfurecida. O vento parecia uma bofetada e dançava como pernilongo proibindo que a alma se aquietasse.
Nem percebeu os pezinhos descalços ao lado da cama. Para uma criança é constrangedor presenciar a dor de um adulto e a fisionomia que tentava afastar os sobressaltos era visível, mesmo naquela negrura sem nesga de luz. Vinha arrastando o travesseiro de fronha de bolinhas, abraçada ao ursinho amarelo recém- ganhado no Natal. O Hugo. Parecia mesmo nome de urso. Você está com medo, querida? Deite aqui pertinho de mim. Vamos ver o que podemos fazer hoje para deixar o Hugo feliz? O quê? Não quer ir para a casa do papai? Vamos ao cinema, então. Fazer desenhos no computador... O Hugo não quer? Está bem, pergunte pra ele... Só isso, querida? Claro que sim, prometo que hoje farei sopa de letrinhas para nós três...
(imagem: http://www.google.com.br/imgres)
E todas as tormentas, os medos, as tempestades, desaparecem à simples presença do amor por uma criança... Lindo demais...
ResponderExcluirBeijos e um lindo e ensolarado dia para você.
Dulce:
ResponderExcluirÉ ótimo começar o ano com uma mensagem sua, como sempre tão cheia de ternura.
Um dia muito harmonioso pra você também.
Bjos
Rotina é uma palavra que esconde tantas coisas!
ResponderExcluirUm texto assim fala ao lado mais sensível da gente.
Beijo grande.
Dade:
ResponderExcluirPra mim a rotina faz bem. Adoro sentir-me sem exageros.
Beijos
Infelizmente vivemos conjunturas que nos oprimem e transformam o nosso dia-a-dia. Essa rotina acaba com nossa alegria e tira nosso bom humor.
ResponderExcluirGraças a Deus há um Hugo no caminho, trazendo pela mão uma criança feliz! É a felicidade de volta!
RUTH
Ru:
ResponderExcluirQue haja sempre Hugos em nossos caminhos...
Beijos