sábado, 12 de março de 2011

Delírio


Chegou dizendo que tinha visto uma baleia e mais tarde deu para entender tudo e para saber que daquela vez ele não estava contando uma piada de mau gosto, ou melhor, a história era mesmo uma tragédia insana. O caso é que a baleia estava calmamente vivendo sua rotina de nadar de lá pra cá, sempre com aquela fome terrível que toda baleia tem, pois quando acaba de comer já está na hora de comer de novo; entretanto naquele dia tudo aconteceu de uma hora para outra e mudou o rumo dos do cotidiano de milhões de pessoas e das muitas baleias que ainda estão conseguindo sobreviver nadando nas profundezas e na escuridão dos oceanos. Enfim, a baleia estava quase devorando um cardume inteiro de uma só vez quando ficou tonta tonta e de tão tonta, foi levada pela correnteza, porque o mar ensandecido tinha ondas de alturas descomunais que a tontura da baleia entendeu serem um aviso, mas já não havia mais nada a fazer. Esbarrava a baleia tonta em barcos e navios e em casas e em outras baleias e tubarões e peixes com cara de deus me livre todos muito desorientados e mais tontos que a baleia tonta. A baleia nem lembrou mais a fome do tamanho de seu estômago gigantesco e rolou e rolou e rolou até chegar a uma espécie de lugar onde havia pessoas de fisionomias tensas e de choros abundantes saindo pelo buraco do olho fino sem nem mesmo ligar para a baleia rolante tonta tonta. As lágrimas delas eram tantas, que aumentavam a dimensão das ondas, e a baleia, sem querer, cooperava para prejudicar ainda mais aquelas pessoas que não conseguiam nem pensar sobre o que seria do seu futuro em terra firme, onde nunca tinha aparecido uma baleia muito tonta. De cansaço, dormiu parada, quase sem conseguir respirar direito e sonhou que nadava atrás dos peixinhos e peixões, pra além do horizonte azul onde não havia tremores nem contaminação de usina atômica; de pura desobediência, nem acordou mais e ficou ali, com a displicência do disfarce de uma baleia devorante e doida muito doida, junto com o desespero das gentes atônitas no centro daquele desvario.


7 comentários:

  1. Maria Teresa, você está escrevendo de uma maneira muito mais gostosa de ler! Gostei desse delírio!
    Beijos.

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  2. Manuel:
    Obrigada por sua sempre simpática visita.
    Abraços


    Nivaldete:
    De fato, as palavras às vezes minimizam o sofrimento, mas isso não é possível quando todos estamos de luto.
    Beijos

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  3. Estava com saudade de seus textos, Maria Teresa.
    Mas o tempo é uma entidade avara e gosta de nos deixar sem saída.

    Beijo

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  4. Dade:
    Adoro quando você dribla o tempo e o deixa com cara de bobo...
    Beijos

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  5. As baleias estão perdendo seu espaço... Em delírio elas avançam à procura de seu habitat. Sintomático: o mundo que destrói a natureza, (ou o homem?), destrói também a vida marinha. Pobres de nós!

    Bj RUTH

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