Meus joelhos tinham uma cara gorda, com bochechas gordas. Vermelhas. Decidiram que se vingariam de mim com capricho e cumpriram a promessa. Inflaram de um jeito, que eu não conseguia esticar bem as pernas ou dobrá-las para pôr o pé no chão. Percebi isso logo que tentei levantar da cama, quando o despertador finalmente tocou. Isso porque a noite insuportável não acabava mais com a luz que entrava pelas frestas da veneziana, deixando-a ali, à vontade, como se fosse a coisa mais normal do mundo ensolarar o quarto com o amarelado das lâmpadas da ruinha de trás. Toda vez que eu tentava fechar os olhos e esquecer a petulância daqueles meus joelhos ralados, enxergava o clarão, impresso nas paredes desmaiadas de sono, exatamente como eu. Ninguém dorme olhando entretons nervosos e lembrando-se da aspereza das calçadas de ondulações cada vez mais rugosas depois dessas chuvaradas de verão que destroem tudo o que encontram no caminho. O pior foi o constrangimento de sentir até o cheiro dos sulcos no chão multifacetado. Ficar vis a vis com o capim que vai crescendo e morrendo de rir do concreto rachado. Foi tudo tão repentino, tão inesperado, que nem o porteiro de gravata e de cabelo escovinha viu. Ele conversava com o entregador de água do prédio, alheio aos acidentes da calçada e ao mau humor de rótulas doloridas. Eu estava frágil como asa de mosca, mas aqueles meniscos balofos que me aguardassem: não veriam minhas pedrinhas de lágrimas escorrendo com gosto salgado; o choramingo se converteria em palavras gordas. Bochechudas e ácidas.
Minha amiga, você é incrível!!! Já vi gente chorar de dor ou de raiva, rir de nervoso, corar de vergonha, ao cair numa dessas calçadas descuidadas das nossas ruas, ma transformar um tombo num texto lindo como este, foi a primeira vez... Originalidade, sensibilidade e outros "ades"... Um texto precioso...
ResponderExcluirEspero que vá melhorando logo, que seu joelho fique de bem com você e não a maltrate muito.
Beijos e melhoras
Amiga Teresa
ResponderExcluirEstou como a Dulce. Como é possível descrever momentos tristes e dolorosos em que tudo se vira contra nós, duma forma tão bonita... Cada vez aprecio mais a sua forma de escrever e, passar pelos seus "botões" é uma obrigação que muitas vezes me deixa sem palavras.
Beijinhos
Lourdes
Queridas Dulce e Lourdes:
ResponderExcluirVocês duas são uns amores! Senti-me mais que recompensada, feliz da vida. Pudera todo joelho ralado dar uma alegria assim.
Beijos carinhosos
Beijocas mil pra sarar esses seus joelhos. arianna
ResponderExcluirArianna:
ResponderExcluirSempre você. Obrigada.
Beijo
Olá amiga,
ResponderExcluirQuem se esquece de joelhos e cotovelos arranhados, costumava-se dizer que eram as medalhas de mau comportamento! rsss
A sua perspicácia e observação de pormenores...a sua imaginação para de qualquer tema fazer prosa poética é que é para mim extraordinário!
Beijos,
Manuela
Um tombinho às vezes é bom para que nos lembremos de nossa fragilidade. Felizmente o seu ficou mais no susto, sem consequências... Mas, em todo o caso, quando andar, olhe para o chão... RUTH
ResponderExcluirManuela:
ResponderExcluirAh, essas medalhas impregnadas assim à força, nem me fale...
Beijo carinhoso pra você
Ru:
Basta uma rasteirinha mais larga, que o chão fica mais próximo, incrível.
Beijos