Para seu alívio, não havia um só bicho sobrevivente voando no meio das travessas, tigelas, bandejas, taças, vasilhas, porcelanas. Tinham sido três dias insanos de guerra sem pressa, com lucidez de gladiador. Eles eram pequenos pontos acinzentados efêmeros constituídos de uma massa fina de pó, mas deixavam marcas circulares e vermelhas minúsculas, demarcando território e invadindo caixas, sacos plásticos, forros de veludo e tudo que fosse morno ou tivesse frestas aconchegantes. Quando abriu a porta do cubículo onde também acomodava algumas garrafas de vinho, recém-refeita de sua já antiga condição de turista, recebeu um jato de voos e asas, que a fez imediatamente abandonar o resquício de ócio ainda grudado no corpo e na alma; tinha que pensar rápido, mais do que a progressão geométrica da reprodução daqueles seres larva semialados. Lembrou-se imediatamente dos pássaros de Hitchcock e teve uma sucessão de calafrios que a arremessaram para a cadeira mais próxima; no entanto, cheia de coragem foi atrás deles. Mudou várias vezes de tática nos três longos dias de calor insuportável e jogou fora as caixas, sacos plásticos, forros de veludo. Tudo ficou nu. Era então hora de recomeçar, de lavar travessas, tigelas, bandejas, taças, vasilhas, porcelanas. Era hora de vestir a vida de cor, de arejá-la. Era hora de encarar a rotina que chegava com gosto de arroz e feijão e com cheiro de novidade. Rotina despida, rotina saborosa.
(quadro: GALARINA, Salvador Dalì, Teatre-Museu Dali, Figueres. Foto de Maria Teresa Fornaciari)
Que falta me fizeram seus textos, Maria Teresa! E voltou muitíssimo inspirada, não!?! Beijos!
ResponderExcluirWelcome home!!
ResponderExcluirarianna
Olá Maria Teresa,
ResponderExcluirRegresso muito esperado e boas férias com certeza! Presumo que andou por Espanha, território Dali e foi ver a Gala???
Sobre o texto eu tenho sempre comigo essa inquietação de recomeçar, de despir-me do que não interessa...
Beijos,
Manuela
"O pudor inventou a roupa para que se tenha mais prazer com a nudez "
ResponderExcluirAbraço.
Que bom te-la de volta, Maria Teresa. Seja muito bem vinda.
ResponderExcluirMas que pequeno (grande) pesadelo, minha amiga, esse de chegar das férias e dar com uma casa tomada por invasores alados... Sabe que, quando comecei a ler, lembrei-me logo do Hitchcock?... Tenho calafrios só de pensar naquele filme... rs...
Beijos e uma boa noite para você.
Queridos amigos, saudade de vocês!!
ResponderExcluirCassia:
Que delícia saber disso! Você sempre carinhosa, obrigada!
Bjos
Arianna:
Nada como retornar; tem gosto de harmonia!
Bjos
Manuela:
Fui lá ver a Gala, sim! Sou apaixonada pela obra de Dalì e por toda sua ousadia... Quanto aos recomeços, eles sempre sugerem coisa nova e isso é motivador; no entanto, como é difícil chegar ao nu, despir o obsoleto...
Beijos
Manuel:
Sábia afirmação. Qual seria o impacto do nu não fossem as vestimentas?
Grande abraço
Dulce:
Já vi várias vezes o filme e os calafrios ainda persistem... E sempre fiquei imaginando como seria terrível vivenciar situação semelhante; guardadas as proporções, o pesadelo da ficção virou realidade...
Bjos
Maria Teresa
ResponderExcluirFiquei satisfeita por a ter de volta. Já sentia saudades suas e dos seus textos.
Espero que as suas férias tenham sido proveitosas. Agora há que recomeçar e expulsar as "visitas" que chegaram na sua ausência.
Beijinhos
Lourdes
Lourdes:
ResponderExcluirVisitas, só a dos amigos queridos, não é? Muito obrigada por seu carinho cotidiano, que me deixa muito mal acostumada.
Beijos
Certamente aqueles seres despudorados não foram os recepcionistas ideais para quem voltava de uma viagem de sonhos... Contudo, passados o susto e o trabalhão, BEM-VINDA aos seus artigos muito aguardados. Bj Ruth
ResponderExcluirSeja bem chegada, Maria Teresa!
ResponderExcluirOs insetos
Nunca quietos
Quando sem tetos
Tornam-se donos
Dos aban-donos
Um beijo!
Ru:
ResponderExcluirObrigada pelas letras grandonas do bem-vinda! Bom sentir-me assim!
Beijos
Nivaldete:
Aqueles alados terríveis viraram personagens determinados, heroicos, destemidos. Dignos de figurar na concisão do poema que imortalizou sua saga inse-diária. AMEI!
Beijos
Olá, Maria Teresa, há bastante tempo que não passo por aqui; mas volto, com interesse. Parece que, felizmente, aquele probleminha relacionado ao envio de comentários já foi sanado, não? Isso é bom. Um abraço!
ResponderExcluirHola amiga María Teresa , mil gracias por tu bella huella virtual en mi espacio de blog , tu blog amigo.
ResponderExcluirHermoso texto bella imagen en tu post.
Besos de MA para ti desde la bella Granada.
Halem:
ResponderExcluirConsegui resolver o problema dos envios valendo-me de outro blog: Newsletter Dicas Blogger. Vale a pena anotar, pois as dicas são mesmo excelentes. Sua visita é sempre muito bem-vinda, que bom que apareceu!
Abraços
Ma:
Agradeço sua presença amiga. Saudade de seu país tão cheio de encantos!
Beijos
... e quase precisando de mais férias, meio a tais trabalhos!
ResponderExcluirMas "...Era hora de encarar a rotina que chegava com gosto de arroz e feijão e com cheiro de novidade. Rotina despida, rotina saborosa." e, por isso, mãos à obra: bela maneira de "pintar o quadro do regresso"!
Beijinho
PS: Gostei da nova "roupagem". Parabéns pelo bom gosto!