sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Muros


Era tudo uma questão de muros. A única coisa que ela pretendia era passar para o lado de lá. Ou não. O grande debate era esse e parecia simples demais, dava até arrepio de tão banal.

Mas o arrepio causava constrangimento, pois o muro tinha vida. Tinha quereres e afetos. Tinha melindres. Olhou em torno e não viu ninguém. Deu um suspiro... que fundo! Mesmo no jogo de aparências, não conseguiu vestir uma cara de distraída para seguir como quem vai à padaria comprar pão francês. Não pôde ser bem cotidiana; no entanto, viu montinhos de capim bem verde em alguns buracos dependurados ali e tentou arrancá-los para olhar do outro lado. O muro enfezou-se, afinal, tinha suas privacidades no interior dele, muro, e não permitia ser devassado de forma alguma. Então tentou contorná-lo, pois chega uma hora que o muro acaba e o espaço fica livre, sem obstáculos de teor possessivo e ciumento. Isso também não foi possível. Os muros agregam vontades parecidas no seu prolongamento e o que está de um lado não consegue passaporte para ir daqui para ali. Depois teve receio de aproximar-se e estava prestes a chorar de raiva quando descobriu, no bolso, um lápis daqueles que os pedreiros usam para fazer pequenas anotações nas paredes e até para deixar declarações de amor para alguém que nunca vai conseguir saber delas. Era um lápis vermelho vivo, da cor de sua revolta. Hoje continua tentando quebrar o gelo com o muro cheio de rabugice, mas o curioso é que a inscrição ainda está lá, nítida e com letra bem redonda como a das antigas normalistas: Você já leu poesia hoje?

Todos os dias ainda passa por ali, vestida de sol, esticando a vulnerabilidade que até os muros têm. E não é que a resistência dele anda bem maleável, que a tessitura dos blocos está bastante aerada? Não mais aquele muro: na verdade, uma tênue linha divisória que se ilude ao obstruir o caminho de quem quer transpor seus mistérios e seus enigmas.

6 comentários:

  1. Maitê,

    penso que, felizmente, por "n" motivos, personagens (imaginários e reais) conseguem finalmente transpor, sim, seus muros, de uma forma ou de outra...sangrando, sentindo, sofrendo...com persistência.
    Muito lindo teu conto, amiga! Uma doçura de se ler!
    Os meus Botões de Madrepérola homenageiam hoje um grande poeta! Gostaria de ver?
    Te espero.
    Abraços e laços,

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  2. Graça:
    Você sempre com suas mensagens cheias de ternura, muito obrigada.
    Vou aos Botões de Madrepérola ver o poeta, certamente.
    Beijo carinhoso

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  3. Maria Teresa disse...
    Caros leitores:
    Tenho recebido reclamações de algumas pessoas que não conseguem deixar comentários aqui. Entrei em contato com o Serviço de Apoio do Blogger para tentar resolver isso, mas até agora não obtive resposta. Espero que o problema seja solucionado rapidamente, pois esses retornos de vocês me são muito importantes.

    Abaixo, o e-mail do querido Eduardo Lara Resende, a quem eu agradeço muito não só a gentileza do alerta mas também a generosidade da mensagem:

    Tentei seis vezes hoje, Maria Teresa, colocar um comentário no seu blog sobre "Muros". Mas o blogger é um mistério insondável!

    Parabéns pelo belíssimo texto, com metáfora delicada e sutil. É sempre ótimo passar por lá.
    Minha reverência.

    Abraço grande.

    Eduardo L Resende

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  4. Olá Maria Teresa,
    Sobre a questão de deixar comentário, às vezes é necessária muita insistência, se eventualmente não aparecer por aqui esse é o motivo, porque a sigo assíduamente, porque tenho o maior prazer nisso!
    O que eu penso: que na vida há muitos muros e cheios de caprichos, podem ser de pedra ou de fumo (reais ou imaginários) e que temos é que passo a passo os derrubar ou os contornar!
    Gostei da frase «Você já leu poesia hoje?» De facto a poesia é uma boa maneira de saltar muros!...
    Beijos,
    Manuela

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  5. Manuela:
    Obrigada por sua insistência, por suas palavras generosas.
    Quanto aos muros, eles estão mesmo à nossa frente, convidando-nos a ver o que há do outro lado todos os dias. Concordo muito com isso.
    Grande beijo

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  6. Aqui segue comentário da Ru, de 13/11. Segundo ela, não foi possível postar.


    Haverá sempre algo que nos atrai e enfeitiça atrás de um muro... Ele é testemunha de confidências, clamores, lágrimas, ausências... É o próprio obstáculo ao desconhecido, ao imaginário, ao sonho irrealizável! Mas continuamos tentando!

    M.Teresa, sua mente, brilhante e romântica já atravessa seus muros! Parabéns! Bj RUTH 13/11


    Ru, o muro cheio de vida pareceu-me ainda mais cheio de responsabilidades, ele galgou maior importância ainda! Obrigada.
    Beijos

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