segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Limonada
Meus pés iam dançando no chão atrás de mim. Estava com tanta sede, que aquela limonada com maçã verde ali na mesa me dava até tonteira. A garganta estava seca seca e parecia que eu não ia conseguir alcançá-la; acho mesmo que minha cabeça estava desidratada como as flores que ficaram trancadas em casa aquela semana inteirinha. Via metade de minha fala no meio das pétalas enrugadas, que despencaram no chão; estava sem ânimo para pensar e para fazer qualquer coisa decente. Acho que me tornei oca com a imobilidade das palavras mudas. Mastigava os pedacinhos de maçã e quebrava as pedrinhas de gelo dando certa consistência para os sentimentos, acho que é isso, “consistência”. Tinha conclusões? Não tinha. Tinha quereres? Nada, não tinha nada. Ou tinha? A única coisa boa era o gosto de erva cidreira sutil, toda vez que o gole da limonada era engolido junto com as lembranças. As janelas fechadas conservaram os sons da música e a ironia refestelada no sofá de três lugares. Afastei-a um pouco e sentei segurando o copo e o livro com a dedicatória. Não ia ler pela centésima vez o que já sabia tanto tanto, claro que não. Comi mais uns pedacinhos de maçã. Ninguém faz um refresco para esfriar o corpo e a alma assim e ele mexia o gelo com o dedo, meio sentado no pufe azul turquesa. Tão azul como os olhos, que me olhavam com aquele sorrisinho de malícia. Até as flores estavam impregnadas dele, até a dedicatória do livro de Calvino; finalmente tinha dado de gostar de Calvino, do Palomar que observa uns seios nus na praia e não sabe como se comportar. Gostei de ter ficado longe dali uma semana inteira, foi apropriado. Be-né-fi-co. O telefone está tocando, atendo ou não? Acho melhor não, deve chamar mais tarde, agora devo tomar mais um gole da limonada com maçã; hoje coloquei o dobro da quantidade de erva cidreira que a receita pedia.
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Ah, que pena a história ter terminado assim... só queria saber se a erva-cidreira faz o efeito desejado, se ela conseguiu manter a serenidade diante dos olhos de turquesa e do sorriso de malícia...
ResponderExcluirLindo texto, Maria Teresa. Como sempre, aliás.
Beijos
Olá! Nunca tomei limonada com erva cidreira, mas deve ser muito bom...Mas a limonada em si, me fez lembrar do meu pai, que sempre tomava quando estava muito quente...(era assim que ele falava)
ResponderExcluirNunca consegui fazer uma limonada como ele...tinha um toque especial!
Adorei o texto e adorei lembrar...Saudades!!
Abraços
Lhú Weiss
Nunca bebi limonada com erva cidreira!...Limonada sim, é de facto bastante refrescante! Cidreira dava-me a minha mãe quando tinha testes ou exames, para ir mais calma, mas nunca senti que desse resultado!...
ResponderExcluirCom um livro de Calvino, com dedicatória e imagino que seria uma excitante dedicatória, a serenidade devia ser difícil de atingir!...
Beijos,
Manuela
Dulce:
ResponderExcluirMesmo com toda erva-cidreira, manter a serenidade deve ter sido um problemão, imagino que sim.
Um beijo carinhoso pra você.
Lhú:
Fico feliz de que a limonada tenha lhe trazido lembranças boas! Também acho que há pessoas insubstituíveis ao prepararem suas receitas... Outra pessoa fazendo não fica igual!
Beijos
Manu:
A dedicatória deve ser mesmo picante, imagino que sim. Pra ser sincera, gostaria mesmo de saber exatamente o que estava escrito lá...
Beijos
Ai, que saudade me deu de certos lances da vida, que... Bom, melhor deixar pra lá. Um texto assim consistente, gostoso de ler, envolvendo um personagem calviniano, é bom demais.
ResponderExcluirBeijo beijo.
Até me deu sede também! Pena que não enho erva-cidreira para completar o meu drink! Bebo-o à sua saude! Viva!
ResponderExcluirBj Ruth
Dade:
ResponderExcluirA vida tem uns lances ótimos mesmo. E eles ficam meio dormentes, como se estivessem esquecidos, mas às vezes abrem o olho, né?
Beijo carinhoso
Ru:
Tim Tim!!
Beijos