Resgate

Olhava para longe sem ver encostando os olhos no gradil da varanda, cansada de ouvir sem dar bola, como normalmente acontecia. Fazia cara de sonsa ou era sonsa mesmo, não tinha dado para ter certeza ainda. Para encobrir as manchas do rosto, usava uma espécie de pomada esbranquiçada que lhe deixava com uma cara meio artificial, como se fosse boneca de porcelana sempre meio triste e de longos cabelos lisos e meio engordurados. Falava fininho quando tinha que responder alguma coisa e a vontade era sempre de dizer o quê? mas a resposta viria idêntica, com palavras engolidas, então era melhor nem perguntar de novo. Faltavam-lhe energia e brilho e levava uma vida morna sem coragem, sem saber direito do que ela própria era feita por dentro.

Por tudo isso é que ficamos surpreendidos com aquela notícia bem na capa do jornal: Matou para defender a honra da filha! Ela estava lá, de olhos vidrados, encarando os jornalistas que a revelavam ao mundo com sua cara branca. As manchas tinham desaparecido e os cabelos estavam enrolados num coque enérgico enquanto segurava a mão da menina. Talvez esboçasse um sorriso imperceptível, pela foto não dava para ter certeza, mas tinha deixado de ser transparente.

(imagem: http://conversamos.files.wordpress.com/2007/10/soul-cages-piotr-kowalik.jpg)