Ficou matutando demoradamente sobre a surpresa de sua compreensão: aconteceu de um instante para outro, como se retirasse alfinetes da costura apenas alinhavada que ela vestia por hábito e com fastio pouco a pouco tragado no cotidiano de suas mesmices. Até então, a rotina de suas quatro paredes tinha textura de golfadas sem governo e sem crivo, que se iam amalgamando e formando aquilo que parecia ser ela, mas que se afastava das verdades que lhe serviam de esteio. A descoberta de que tudo poderia ser revertido e de que os trajetos deveriam ter outro rumo passou a ser o seu segredo. Só de pensar nele sentia algum receio, como se fagulhas de finura finíssima cutucassem o seu rosto e machucassem a ponta de seus dedos e de suas vulnerabilidades. Isso lhe dava, no entanto, certo frescor e certa leveza. O que aconteceria depois desse momento de regozijo estava além de todo entendimento, mas algumas borboletas passavam pelas frestas das venezianas, habitualmente cheias de soberba de seus ferrolhos, e traziam do outro lado alguns grãos de pólen que sutilmente iam esparzindo por ali e perfumando o ambiente de sabor acidulado. Foi assim que ela sentiu um desejo enorme de abrir as janelas.
(imagem: http://www.google.com.br)
Que lindo! O ferrolho e as borboletas... E as epifanias: outros caminhos. "Além de todo entendimento"..., bem à Clarice.
ResponderExcluirUm abraço pingado de chuva daqui!
Boa tarde Maria Teresa. Há muito que tento seguir as borboletas que me entram pelas janelas. Nem sempre posso, mas quando vou é como o título: Alívio.
ResponderExcluirApesar de não ser borboleta entrei, aqui, pela janela da Dulce. Convido-te a vires à árvore.
abraços pitangueiros
Nivaldete:
ResponderExcluirAgora eu é que me comovi com suas ternuras em forma de doces palavras. Palavras epifânicas.
Beijos
Pitanga Doce:
Seja muito bem-vinda! São borboletas assim que deixam meus botões pra lá de satisfeitos. Certamente que também irei até a árvore.
Beijo carinhoso
Maria Teresa
ResponderExcluirPor vezes temos uma enorme vontade de quebrar as rotinas e seguir um novo rumo mas nem sempre temos forças para abrir as janelas. É preciso a coragem que às vezes nos falta.
Menos presente nos comentários, vou estar presente nas leituras e reflexões.
Beijinhos
Lourdes
Lourdes:
ResponderExcluirE como nos falta! Nas pequenas coisas, nas mínimas decisões, além de nos escapar no que é mesmo essencial. Acredito que isso impulsiona nossa aprendizagem, mas como dói!
Seu retorno vai ser aguardado com carinho.
Beijos