quarta-feira, 7 de julho de 2010

Alívio


Ficou matutando demoradamente sobre a surpresa de sua compreensão: aconteceu de um instante para outro, como se retirasse alfinetes da costura apenas alinhavada que ela vestia por hábito e com fastio pouco a pouco tragado no cotidiano de suas mesmices. Até então, a rotina de suas quatro paredes tinha textura de golfadas sem governo e sem crivo, que se iam amalgamando e formando aquilo que parecia ser ela, mas que se afastava das verdades que lhe serviam de esteio. A descoberta de que tudo poderia ser revertido e de que os trajetos deveriam ter outro rumo passou a ser o seu segredo. Só de pensar nele sentia algum receio, como se fagulhas de finura finíssima cutucassem o seu rosto e machucassem a ponta de seus dedos e de suas vulnerabilidades. Isso lhe dava, no entanto, certo frescor e certa leveza. O que aconteceria depois desse momento de regozijo estava além de todo entendimento, mas algumas borboletas passavam pelas frestas das venezianas, habitualmente cheias de soberba de seus ferrolhos, e traziam do outro lado alguns grãos de pólen que sutilmente iam esparzindo por ali e perfumando o ambiente de sabor acidulado. Foi assim que ela sentiu um desejo enorme de abrir as janelas.

5 comentários:

  1. Que lindo! O ferrolho e as borboletas... E as epifanias: outros caminhos. "Além de todo entendimento"..., bem à Clarice.
    Um abraço pingado de chuva daqui!

    ResponderExcluir
  2. Boa tarde Maria Teresa. Há muito que tento seguir as borboletas que me entram pelas janelas. Nem sempre posso, mas quando vou é como o título: Alívio.

    Apesar de não ser borboleta entrei, aqui, pela janela da Dulce. Convido-te a vires à árvore.

    abraços pitangueiros

    ResponderExcluir
  3. Nivaldete:
    Agora eu é que me comovi com suas ternuras em forma de doces palavras. Palavras epifânicas.
    Beijos


    Pitanga Doce:
    Seja muito bem-vinda! São borboletas assim que deixam meus botões pra lá de satisfeitos. Certamente que também irei até a árvore.
    Beijo carinhoso

    ResponderExcluir
  4. Maria Teresa
    Por vezes temos uma enorme vontade de quebrar as rotinas e seguir um novo rumo mas nem sempre temos forças para abrir as janelas. É preciso a coragem que às vezes nos falta.
    Menos presente nos comentários, vou estar presente nas leituras e reflexões.
    Beijinhos
    Lourdes

    ResponderExcluir
  5. Lourdes:
    E como nos falta! Nas pequenas coisas, nas mínimas decisões, além de nos escapar no que é mesmo essencial. Acredito que isso impulsiona nossa aprendizagem, mas como dói!
    Seu retorno vai ser aguardado com carinho.
    Beijos

    ResponderExcluir