segunda-feira, 19 de abril de 2010

Choque


“Apesar de tanta beleza, nos outros espaços, que até extravasava o limite do ponderável, o que muito nos chamou atenção, no último piso, foi a automutilação de artistas nus, em vídeo, ou a imobilidade de olhares de corpos também nus, em passagem estreita de um lado para outro das salas do museu. Péssimo de ver e de sentir. Alguém se cortando com gilete não nos pareceu arte nem nos arredores do surrealismo. Tampouco pessoas sem roupa frente a frente, com espaço para os visitantes irem de lá para cá.“ Anotei isso no diário, há dezessete dias, quando de nossa visita ao MoMA de Nova Iorque. Hoje me surpreendo com aquelas imagens da performance de "A Artista Está Presente", na matéria da Folha de São Paulo. A história toda de Marina Abramovic, a dama de vermelho, que ficava sentada no grande quadrado, diante de uma mesa vazia e olhando firme para o visitante que esperara na fila para encará-la na cadeira do lado oposto. 40 anos de carreira. De ações radicais como os momentos de ação com a gilete percorrendo todo o seu tórax de alto a baixo. Para provocar. Arte Moderna. Moderníssima, neste tempo de niilismo do terceiro milênio, quando temos mais incertezas e pasmos e inseguranças e incredulidades do que nunca. Depois de tanto Picasso, Mirò, Monet, Van Gogh, os corpos nus e os olhares parados como se estivessem mortos deixou uma angústia por dentro. Talvez representem o nonsense desta era de terremotos não apenas de espaços concretos, mas de valores; talvez reflitam este tempo de apatia diante do absurdo. De omissão. Talvez Abramovic tenha pensando em virar a mesa, deixando-a estática no meio do quadrado branco, frio e iluminado, para que os espectadores tivessem ímpetos de tomar essa iniciativa. Corajosa como tantas mulheres que se insubordinaram e que mudaram os scripts de seus papéis previamente delineados. No entanto, mesmo que tenhamos compreendido, foi péssimo de ver e de sentir.

6 comentários:

  1. De repente seja a resposta de quem se sente PRESSIONADA a reagir, talvez mesmo porque todos esperassem que ouvesse reação, afinal é a coisa mais comum, porém não natural; ainda, sei que diante do que é comum, o mais natural, principalemnte se tratando do espiríto feminino cheio de nuanças delicadas, muitas vezes esmagadas pela tirania do tempo, do espaço e da sociedade é não agir mesmo.
    Que fazer diante de uma sociedade que espera tanto? Deve ser uma angustia paralisante mesmo. Às vezes é importante se colocar no lugar do outro. Ajuda a nos desvenciliar um pouco de nós mesmos e fazer com que as coisas andem.

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  2. Ótimo, Maria Teresa! Vou aproveitar o tema para escrever algo a respeito - eu, que já vinha juntando munição para tratar disso.
    Abraço e parabéns!

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  3. Ás vezes é preciso parar, ás vezes precisa ter fim, não me sinto mal diante do que tu escreves, menos ainda diante dessa proposta da artista, sinto apenas a solidão da artista por ter de arcar sozinha com tal posicionamento no mundo, poŕem muito caro, pois observado por olhos curiosos, é tema de observação e nunca de interação; muito caro, incompreendido e solitário.

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  4. Caro Anônimo:
    Talvez tenha sido esse o objetivo.
    Abraços


    Prezado Eduardo:
    Agora fiquei curiosa! Aguardo ansiosamente o que vem por aí.
    Muito obrigada pela visita.
    Abraços.


    Caro Anônimo:
    Foi mesmo uma proposta bem corajosa!
    Abraços.

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  5. Dá mesmo o que pensar... Mas falar de sociedade ("que espera tanto"...:refiro-me ao primeiro comentário-Anônimo) assim, em abstrato, não é suficiente. Que tipo de sociedade?... Sociedade Das Coisas?... O que a propaganda ensina às crianças? Não será "queira coisas, sempre. Consuma, senão você não existe"? Estamos todos submetidos a isso. Dimensão espiritual, ah, muitos acham babaquice. E quando bate a insatisfação, então é ir ao psicólogo, beber, tomar antidepressivo... Porque lá no mais fundo do ser humano há uma 'necessidade' que coisas e fama não preenchem. Nem mesmo os relacionamentos amorosos. Inevitável lembrar o físico Amit Goswami (A Física da Alma, O Universo Autoconsciente...).
    ......
    Numa leitura apressada, uma performance assim pode querer representar um consumo do próprio corpo. E, em linhas gerais, toda performance é sempre uma Estética do Escândalo (algumas semanas atrás, um performer tirou um rosário do ânus, aqui em Natal...)... Agradável de ver não deve ter sido. Mas agradar está longe de ser o propósito de quem faz performances assim.
    Restam mesmo o impacto, a perplexidade...: o que o performer deseja.

    Um abraço, Maria Teresa, para você e todos que escreveram aqui.

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  6. Nivaldete:
    Sem dúvida que o objetivo era cutucar. E fundo. Sonho conquistado. No entanto, o consumo do próprio corpo (pensamos, na oportunidade, se aqui, em nosso país, a automutilação não é mesmo crime)serve para aparecer na mídia, mas está longe de preencher "o de dentro".
    Bjos

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