Século XIV:
Em Portugal, na época do reinado de D. Pedro I, havia sempre danças e confraternizações com o povo, para que o rei pudesse amainar as saudades de Inês de Castro, sua amada, cruelmente assassinada por motivos políticos. Certa vez, conta-nos Fernão Lopes, o “Heródoto português”, que depois de armar cavaleiro um dos nobres do reino, o rei mandou lavrar seiscentas arrobas de cera, com que foram feitos cinco mil círios e tochas. Para segurá-los, em duas filas imensas, havia cinco mil homens estáticos como se fossem candelabros e, no meio deles, passava toda a nobreza “dançando e tomando sabor”, no caminho iluminado do mosteiro até o palácio. No dia seguinte, aos cinco mil homens foi servido muito pão com carne e muito vinho e todos ficaram muito alegres e satisfeitos.
Século XXI:
Em vários cruzamentos de ruas de São Paulo, Brasil, depois da lei que proibiu cartazes chamativos de propaganda, é comum contratarem-se adolescentes (às vezes bem jovens) como aquela, roliça, que me chamou atenção no último final de semana: a menina tinha cabelos louros e pele bem vermelha. Não que fosse vermelha de fato, mas ela estava ali na esquina há horas e o sol do meio dia fazia até o concreto da rua derreter. Era domingo e quase não havia ninguém a pé, pois era impossível aguentar a temperatura de mais de trinta graus. No entanto, a menina gordinha suava dentro daquela roupa amarelo vivo e não arredava pé e balançava pra lá e pra cá a placa que apontava o sensacional lançamento do novo prédio que teria como quintal e jardim nada mais que o Parque do Ibirapuera inteiro. Deveria estar pensando no cheiro do frango assado da padaria próxima ou mesmo num refrigerante gelado para aplacar o calor descomunal que ela sentia dentro da roupa justa e bem amarela cor de sol, mas para afugentar essas ideias paradisíacas, ela balançava a placa pra lá e pra cá, convicta de que todos os que passassem de carro e a vissem balançando a placa de lá pra cá iriam direto até o futuro prédio sensacional que abrigaria o Parque Ibirapuera inteiro dentro de seu projeto paisagístico. A menina tinha cabelos louros que combinavam com sua roupa bem amarela e com os raios ardentes do sol naquele domingo ao meio dia e, pensando no que receberia no final do expediente, parecia alegre e satisfeita.
Em Portugal, na época do reinado de D. Pedro I, havia sempre danças e confraternizações com o povo, para que o rei pudesse amainar as saudades de Inês de Castro, sua amada, cruelmente assassinada por motivos políticos. Certa vez, conta-nos Fernão Lopes, o “Heródoto português”, que depois de armar cavaleiro um dos nobres do reino, o rei mandou lavrar seiscentas arrobas de cera, com que foram feitos cinco mil círios e tochas. Para segurá-los, em duas filas imensas, havia cinco mil homens estáticos como se fossem candelabros e, no meio deles, passava toda a nobreza “dançando e tomando sabor”, no caminho iluminado do mosteiro até o palácio. No dia seguinte, aos cinco mil homens foi servido muito pão com carne e muito vinho e todos ficaram muito alegres e satisfeitos.
Século XXI:
Em vários cruzamentos de ruas de São Paulo, Brasil, depois da lei que proibiu cartazes chamativos de propaganda, é comum contratarem-se adolescentes (às vezes bem jovens) como aquela, roliça, que me chamou atenção no último final de semana: a menina tinha cabelos louros e pele bem vermelha. Não que fosse vermelha de fato, mas ela estava ali na esquina há horas e o sol do meio dia fazia até o concreto da rua derreter. Era domingo e quase não havia ninguém a pé, pois era impossível aguentar a temperatura de mais de trinta graus. No entanto, a menina gordinha suava dentro daquela roupa amarelo vivo e não arredava pé e balançava pra lá e pra cá a placa que apontava o sensacional lançamento do novo prédio que teria como quintal e jardim nada mais que o Parque do Ibirapuera inteiro. Deveria estar pensando no cheiro do frango assado da padaria próxima ou mesmo num refrigerante gelado para aplacar o calor descomunal que ela sentia dentro da roupa justa e bem amarela cor de sol, mas para afugentar essas ideias paradisíacas, ela balançava a placa pra lá e pra cá, convicta de que todos os que passassem de carro e a vissem balançando a placa de lá pra cá iriam direto até o futuro prédio sensacional que abrigaria o Parque Ibirapuera inteiro dentro de seu projeto paisagístico. A menina tinha cabelos louros que combinavam com sua roupa bem amarela e com os raios ardentes do sol naquele domingo ao meio dia e, pensando no que receberia no final do expediente, parecia alegre e satisfeita.
Meu Deus!
ResponderExcluirSerá que o que lhe iam pagar valia o sacrifício?
Mas por certo sim. Não por receber muito mas, talvez, porque mesmo sendo pouco era melhor que nada.
Triste vida a de alguns...
Beijinhos
Lourdes
Coitada da menina, senti o calor só de ler.
ResponderExcluirEssas promoções nas ruas judiam demais das pessoas que nelas trabalham. Ganham diária, será que compensa o sacrifício?
Lourdes:
ResponderExcluirTriste mesmo... Triste por ser nada mais que uma placa, pois a pessoa deixou de existir por trás dela...
Bjos
Vera:
O pior de tudo é a necessidade de ficar movimentando a propaganda, como se fosse uma máquina perene...
Beijos
Bom dia, Maria Teresa! Excelente a analogia entre as duas situações, em épocas tão distintas... Mas, infelizmente, acredito que a quantia recebida pela menina loira foi proporcionalmente bem inferior ao "prêmio" dado aos homens do século XIV... Beijos!
ResponderExcluirA exploração neste país não deixa brechas. Pobre menina! Pobres meninos que também ficam ao pé do semáforo, fazendo malabares para conquistar um trocado para a comida!
ResponderExcluirOi, Cassia:
ResponderExcluirÉ verdade; os tempos avançam, o homem pensa que progride e se torna cada vez menos humano.
Bjos
Tânia:
O pão e o circo... Sempre essa filosofia...
Beijos
Mas nós bem sabemos que o que esse menina deve ter recebido por aquele dia escaldante, passado balançando uma placa, mal deve ter dado para um hamburguer e um refrigerante na lanchonete da esquina, não é?
ResponderExcluirDeve ter sido infinitamente menos do que receberam os cinco mil tocheiros de D. Pedro I de Portugal, já que (segundo o relato) ficaram muito felizes com o pagamento e nossa garota paulista deve ter voltado para casa pensando se realmente "tudo vale a pena" ou se tem sua alma tão pequena que nem percebe o valor...
Beijos
Quantas máquinas vivas pelas ruas das grandes cidades, quantas meninas, roliças ou não, quantas peles de cores diversas são castigadas pelo sol deste verão infernal. O que não se faz para receber um trocado no fim do dia!
ResponderExcluirBeijo, Maria Teresa.
...pela inspiração sempre pronta e feliz!
ResponderExcluir...pela mensagem deixada em cada reflexão!
...pela emoção de cada quadro e de cada comparação!
...pela vida que brota em palavras, poesia e hino!
...pela força e graça do seu exixtir...!
Bj RU
Dulce:
ResponderExcluirVocê citou o mestre e eu me lembrei de um outro poema dele, daquele que fala da ceifeira que trabalha e canta e se julga feliz. O poeta que a observa comenta: "Ah, poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!"
Bjos
Dade:
Eu não me conformo com essa agressão, com a humanidade pisada com gosto de objeto descartável...
Bjos pra você.
Retrato da estupidez que é esse capitalismo superganancioso....
ResponderExcluirAbraços,amiga.
Ru:
ResponderExcluirO que seria de mim sem todo esse carinho?
Sou mesmo uma pessoa abençoada.
Beijos carinhosos,
MTeresa
Nivaldete:
Retrato fiel, com moldura bonita.
Beijos