quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pombos

“por fim, ele disse:
...portanto...
e ela:
...por tão pouco...
e saíram, cada um para um lado.
lá em cima, os pombos escutavam o entardecer...”

Nivaldete Ferreira



“Se eu que sou pombo não falo...”
Sou um pombo paulista e cuido para não procurar minhas migalhas nos buracos cada vez maiores das ruas da capital, ainda mais com essas chuvaradas que têm caído no final da tarde e que alagam tudo e todos, com tanto bueiro entupido. E o prefeito visita algumas dessas fendas urbanas e faz mais uma promessa, dessas que tenho colecionado nesta minha curta vida de pombo; ele olha bem, revisa, manda medir e vai embora sorrindo, como se o encontro prefeito-cratera fosse suficiente para deixar a rua lisinha, lisinha... Tá certo que posso avistar tudo de cima e acho que é por causa disso que vejo tanta coisa fora de lugar, mas um sino de 400 quilos despencando no meio da Praça da Sé, isso garanto que não tinha visto aqui das alturas, tinha não. Ouvi dizer que não foi apodrecimento da peroba boa que segurava o sino, isso não foi; talvez tenham surrupiado alguma peça da estrutura de madeira que lhe dava sustentação, afinal, tudo vale alguns trocados, isso pode ser... Se eu que sou pombo não falo... Meu amigo pombo carioca, aliás, muito tem comentado sobre esse tipo de sumiço; ele - que está sempre elegante devido aos exercícios forçados para desviar-se das balas perdidas - não se conforma com o desaparecimento dos óculos do Drummond na praia de Copacabana. Sete vezes! O poeta, que foi capaz até de ver uma flor nascendo no asfalto, enxerga agora tudo embaçado, apesar de o Cristo estar lá, de braços abertos... Sorte mesmo têm meus amigos pombos natalenses, nada fatigados, nada pelosempé: eles ficam à espreita daquelas histórias que a gente vê no cotidiano e que remetem ao briga perdoa perdoa briga, verso do poeta da praia que também é nosso, claro que é; eles marcam encontro nos pontos mais extremos dos telhados, torcendo para que os amantes que por tão pouco se deram as costas, virem para trás e mudem de ideia. Também, com aquele mar, com aquele céu eternamente azul... Aliás, ouvi por aí que os pombos de Natal têm uns planos meio arriscados de levar para lá o poeta que é de todos; de repente resolvem levar junto o sino pesado e aí eu acho que pego uma carona; sabe que não é má ideia? Tenho certeza de que aquela brisa salpicada de amor só vai fazer com que os dois que estão distanciando-se ali em cima virem pra trás; quero estar lá pra conferir e também, ai que delícia, quero “escutar o entardecer”, como quero! Pois é, eu que sou pombo paulista não devia lhes dizer, mas essas histórias botam a gente comovido como o diabo...

8 comentários:

  1. Ahhhh, que lindo!.... Fiquei "comovida como o diabo"... O que os pombos não fazem!... São até geradores de textos e textos! Aproveita e pede uma carona ao pombo...
    Um abração, querida!

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  2. Wow!!! até os pombos da paulicéia contam histórias! E como têm histórias para contar... E como quase todo paulistano, sonham com a beleza e a tranquilidade das praias do Nordeste...
    Muito lindo, seu texto!
    Beijos e lindo dia pra você.

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  3. Nivaldete:
    Acho mesmo que vou pedir uma carona a meu pombo paulista para também poder "escutar o entardecer" por aí; sabe que não é má ideia?
    Beijos carinhosos.


    Dulce:
    É verdade; como nós da paulicéia sonhamos com aquele céu azul! É um mundo cheio de sedução em forma de perfume, de cor, de amor...
    Um beijo pra você, com essa paisagem aqui em cima de fundo!

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  4. Amiga Teresa,

    Gostei muito deste conto do pombo paulista.
    Ele vê tudindo e vai-se safando no meio da confusão e contando as suas belas histórias.

    Bjs.

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  5. Gosto de cidades grandes, imagino S. Paulo como N. Iorque onde vivi. Vertical. S. Paulo talvez um pouco mais pequena. Gosto de cidades pequenas. Vivo em Caldas da Rainha ;-)

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  6. Fernanda:
    Pois é, o pombo é sabido e gosta de falar... Espero que ele não nos abandone e fuja para o mar, afinal, precisamos aqui de quem fale, para ver se as coisas melhoram...

    Paulo:
    Obrigada pela sua visita. São Paulo é mesmo vertical, verticalíssima. Tão vertical, que já falta espaço para andarmos de carro pelas ruas. Lembra mesmo Nova Iorque, com seu charme cosmopolita.
    Já estive aí pertinho de você: conheci Óbidos e também Alcobaça, onde relembrei a lenda de Inês de Castro naquela imensa catedral.

    Grande abraço a vocês!

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  7. Maria Tereza.
    Cheguei aqui através do Blog da Dulce.
    Gostei e voltarei mais vezes.
    Grande abraço,
    heli

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  8. Heli:
    Seja muito bem-vinda; meus botões certamente ficarão felizes em sua companhia.
    Abraços,
    MTeresa

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