domingo, 25 de setembro de 2011

Beijos



Colocou os dois pés dos tênis olhando para o mesmo lado, descalçou as meias suadas e deixou os dedos respirarem em contato com o chão gelado da cozinha. Foi uma queda de doze graus em menos de três horas, e o jantar seria apenas uma saladinha de alface com frango grelhado. Claro, haveria também abobrinhas e berinjela, mas seu estômago roncava por um minestrone. Seus sete quilos extras instalaram-se definitivamente, que droga, o zíper do vestido ainda não deveria fechar.
 
Na caixa postal, trinta e dois e-mails. Ignorou-os e partiu duas grossas fatias de melancia. Juntou os caroços no canto do prato, sentindo um arrepio ao ouvir a campainha do interfone. Não era ninguém, apenas o zelador trazendo a conta do condomínio. Mais uma conta. Ajeitou o relógio da parede e abriu o envelope sem remetente que veio junto com a conta: “Eu a beijei. No futuro.” A única solução para aquele constrangimento era a penúltima fileira do chocolate grosso e crocante; será?

A insistência dele exercia domínio com aquelas palavras vazias de realidade e muito imaginadas, como se estivessem obedecendo a ordens secretas. E ela. O beijo era carnudo e durava eternidades. Beijo daqueles molhados que fazem o corpo todo tremer e tremer num círculo apertado e hermético. O chocolate derretia na boca, dane-se o vestido, e o ponteiro das horas congelava fora dos limites de sua esfera limpíssima.

4 comentários:

  1. A tirania da balança, uma dificil realidade para muitos, a tentação de se buscar nos chocolates o consolo para o vazio que a simples idéia de um beijo aguçou em sua alma... Como sempre, um texto que me encanta.
    Beijos e um bom dia

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  2. Querida Dulce:
    Muito obrigada por suas palavras como sempre tão generosas. Ultimamente tenho estado afastada da blogosfera por falta absoluta de tempo, mas vou regressar. Saudade do Prosa.
    Beijos
    PS: não está funcionando meu perfil google

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  3. Todo esse apelo às satisfações mais elementares fez jus à recordação daquele beijo... A carta não passou de um detalhe! Por que não revivê-lo?

    Bj RUTH

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  4. Ru:
    De lembrança em lembrança a vida também adquire seus matizes e seus encantos. Obrigada pela fidelidade das visitas.
    Bjos

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