domingo, 19 de junho de 2011

Intimidade


Nasceram vizinhos e inseparáveis. Paulo, moreno e briguento, e Pedro, magricela e ruivo. Frequentaram as mesmas escolas, aprenderam os mesmos valores, viajaram para as mesmas colônias de férias, ganharam os mesmos videogames de aniversário. Ficaram lado a lado nas aulas de recuperação de Português e, no mesmo tempo, detestaram as frivolidades das meninas maquiadas da Engenharia.
            Certo dia, perceberam que suas afinidades eram maiores que seus problemas e passaram a morar juntos. Conheciam os pensamentos e vontades um do outro, Paulo e Pedro. Gostavam dos mesmos filmes, das mesmas músicas, dos mesmos pratos de massa, das mesmas marcas de roupa. Detestavam comida por quilo, sushis, sashimis e shopping centers.
            Do dia para a noite, no entanto, começaram a discutir sobre a marca do requeijão e sobre a necessidade de trocar açúcar refinado por açúcar mascavo. Sobre assistir a futebol ou novela antes de dormir. Sobre se deveriam manter a assinatura do jornal ou ler as notícias pela internet. Ficaram agressivos. Paulo e Pedro.
            Pedro entrou com processo judicial contra Paulo, alegando lesões corporais e solicitando proteção com base na lei Maria da Penha. O pedido foi julgado improcedente. Paulo tem procurado aproximar-se e Pedro tem tido crises de pânico. Moram em cidades distantes, mas estão juntos na discussão dos juristas e dos que não perdem oportunidade de analisar a ética que alimenta os noticiários cotidianos. Paulo, careca e truculento, e Pedro, assustadiço e grisalho. Para sempre Paulo e Pedro, inseparáveis.
(imagem: http://www.google.com.br/imgres)

4 comentários:

  1. Sua narrativa me fez pensar em algo fora do mundo da ficção.

    Cada reconhecimento dos direitos das monorias implicará numa mudança do aparato jurídico e das jurisprudências respectivas. A sociedade exige, demanda por isso. Mas os tribunais e os juízes são lentos, monolíticos (acho que é até da natureza deles). Até onde vamos avançar (ou retoceder)?

    Mas voltando ao texto. Achei criativo, com bom ritmo. Um abraço.

    Halem Souza (não consegui me identificar como usuário do Blogger, não sei por que, daí o "anônimo")

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  2. Halem:
    As famílias de hoje exigem reformulações, são questões de cada tempo. E assim seguimos, com esperança de resolver nossos impasses. Também os que dizem respeito ao mundo jurídico. E a ficção vai alimentando-se deles...
    Abraços

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  3. Apesar das diferenças, a amizade verdadeira vence os obstáculos e permanece. Não há leis que possam impedir que afinidades prevaleçam, apesar das desavenças do dia-a-dia. BJ RUTH

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  4. Ru:
    Pois é, afinidades têm força imensa. Obrigada pela visita.
    Beijos

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