Não a via, mas escutava aquela vozinha que parecia estalar, bem ali do lado. Tentava prosseguir na minha leitura, ávida por captar algum detalhe extra do personagem que cada vez mais me intrigava com sua mania de mau humor, apesar de simpatizar com ele e com seu jeito de pensar por escrito. Intenção frustrada. A voz fininha entrava-me pelos tímpanos apitando sequência de ideias sobre tratamentos estéticos e táticas de sedução modernas e infalíveis, aprendidas na obra campeã de vendas do quesito não-ficção. Fiquei imaginando o que pensaria meu personagem escritor daquela quase mulher de nariz arrebitado e cara cheia de frescor (tive que me virar para observar a dona da voz), interessada em cursar Medicina e em ganhar muito dinheiro num curto espaço de tempo. Certamente ele se reportaria, numa prosa cinzenta, a um vazio desnutrido, onde cada passo pareceria impossível devido ao meio passo que seria necessário dar antes dele. Nesse espaço de elipses entre cada uma das duas metades do caminhar, a superficialidade reinaria de maneira a afastar resplendores de amplidões em caleidoscópios infinitos de cores verdadeiras. Aliás, creio que o vazio se concretizaria numa singela cara bonita e sorridente fazendo escalda-pés em uma tina cheia de água perfumada com fundo de bolinhas de gude.
(imagem: http://vilamulher.terra.com.br)
Esta prosa está muito mordaz, minha querida Maria Teresa...Claro que eu sei, vc sabe, todos sabemos, que os frívolos crescem como cogumelos por todos os lados!...
ResponderExcluirBeijinho,
Manuela
..."vazio desnutrido": surpreendente! Vazio duas vezes... Fico sob o efeito que isso faz, como diz Pound.
ResponderExcluirGrande abraço.
Manuela:
ResponderExcluirE como eles absorvem o ar puro, não é? Os raios de sol e o perfume dos ipês...
Beijos
Nivaldete:
Obrigada, querida amiga. Fico feliz de que tenha produzido efeito assim.
Beijos
Querida professora,
ResponderExcluirAdorei ter te achado aqui!
Adoro ler as suas profundidades sutis.
Outro dia estava arrumando um armário e achei, em uma prova de literatura, um lindíssimo recado seu para mim, fiquei emocionada.
Beijos da sua ex-aluna e fã,
Maria Fernanda Batalha.
Maria Fernanda:
ResponderExcluirQue delícia encontrar você! Boas lembranças também se acercaram de mim e me deixaram muito feliz!
Grande beijo cheio de saudade,
MTeresa
Não fossem as "frivolidades" ingênuas e espontâneas, o que seria desse mundo insosso e sem graça que muitas vezes temos que partilhar? Vivas à inspiração... BJ RUTH
ResponderExcluirE, espanto nos cause, só por distracção, claro, do "espaço de elipses entre cada uma das duas metades do caminhar" resultou, preenchendo "vazios desnutridos", texto que, de superficialidades, só tem os "contributos" de quem não pensa grande coisa e, muito menos, estou certo, o conseguiria por escrito!
ResponderExcluirBeijinho de parabéns por esta reflexão sobre "frivolidades" demasiado (minha opinião, claro...) na moda, tão "saudável" quanto um qualquer "escalda-pés" regenerador...
Ru:
ResponderExcluirSem dúvida que a vida não pode acontecer a ferro e fogo, no entanto, cada vez mais ela se reveste desse caráter de superficialidades, não é?
Beijo carinhoso
Caro Joaquim:
Obrigada pela generosidade de seu comentário. Sua presença neste espaço só traz alento e alegria.
Grande abraço