segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Encanto


Diante da Fontana, todos pararam de falar e sorriram; as caras ficaram cheias de encantamento e até Netuno pareceu virar um pouco em sua carruagem para contemplá-los.

Conheceram-se sentados lado a lado num restaurante simples de Montepulciano, comendo pici com molho de carne de javali e tomando vinho da casa. Começaram a conversar quando ela pediu outro copo para água e o garçom negou-lhe, pois ali era costume usar um copo só para ambos. Italiano da Toscana, ele explicou-lhe que não ligasse para o desaforo e que pusesse no copo apenas um gole de um e depois de outro; ela fez que entendera a lógica, afinal, não era fluente na língua de Dante. Falava um italiano macarrônico que dava para não passar fome, mas longe de poder discutir hábitos e culturas. Assim mesmo, conversaram e saíram no meio da névoa que encobria tudo naquela cidade medieval cercada de muralhas. Coincidentemente estavam ali de passagem, já que era dia da Befana, feriado para os europeus. Ela voltou de trem para Arezzo, onde fazia um curso de Italiano e ele, de carro a Cortona; lá era proprietário de um pequeno albergo em que punha em prática seus projetos de arquitetura.

No entanto, as ideias dele não combinavam com o enraizado cotidiano de quem segue a rotina de cuidar da plantação da uva e de fabricar o vinho, o mesmo que acompanhara o pici de que ela tanto gostara naquele dia de nuvens. Chegara ali pronto para modernizar uma residência do século XV, entrelaçando passado e futuro naquela terra de fissuras arcaicas e de origens etruscas. Tinha ido a Montepulciano para relaxar um pouco, antes de retomar o trabalho, cheio de coragem, no início do novo ano.

Ela morava na cidade natal de Petrarca há dois meses. Era uma aluna atenta, mas o jeito cantado de comunicar-se com todos os pronomes nos devidos lugares ainda era um sonho longínquo. Procurava ir às cidadezinhas da redondeza, obrigando-se a fazer-se entender, pois a filial de seu escritório de advocacia em Roma aguardava-a no início da Primavera.

Naquele dia, surpreendentemente o ar estava seco. A Fontana di Trevi parecia até mais limpa, antes mesmo da restauração prevista para breve, afinal, não parara de chover desde o início da nova década. Ela não entendera aquele convite tão inesperado, mas até se arrumou com mais capricho: estreou o casaco branco de gola de pele, que ficou ótimo com a bota marrom comprada no dia anterior. Foi a pé, sentindo uma estranheza por dentro, como se estivesse caminhando sem pisar o chão. Ele já a aguardava: também estava elegante, de cabelo penteado, camisa e paletó. Fazia algum tempo que desistira de Cortona e viera para a capital, aceitando o convite de uma grande reestruturação de um hotel na Via del Corso.

Todos pararam de falar e sorriram, quando ele tirou o anel do bolso. A nós, parecia que víamos um final de filme, principalmente diante da reação dela, inundada de melodia. Foi então que as caras ficaram cheias de encantamento... e eles seguiram radiantes, na carruagem de Netuno, para o ponto mais cheio de luz no alto do Olimpo.

6 comentários:

  1. Que lindo! Tua palavras me reportaram a um tempo psicológico encantador. Beijos

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  2. Bom saber que o texto lhe proporcionou isso, Tânia. Obrigada pela visita carinhosa.
    Bjos

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  3. Que lindo texto! Senti-me como a assistir um belo filme romântico! Beijos!

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  4. Cássia:
    Apesar de tudo, hoje ainda há histórias assim... Felizmente!
    Bjos

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  5. Maria? Estás a judiar, ou andas sem muito desejo de nos escrever?
    Beijo e saudade,
    Amanda

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  6. Oi, Amanda:
    É que tem sido difícil encontrar um barquinho pra voltar pra casa todos os dias... Obrigada pelo carinho.
    Bjos

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