quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Fotos

Dez anos em forma de fotos mudas embaralharam-se de uma tal forma, que uma tarde inteira não foi suficiente para ordená-las pelo menos na categoria de anos. Algumas tinham etiqueta, mas a maioria dançava à minha frente, como naquele jogo de lince que as crianças tinham quando eram pequenas; quando eu achava a foto, o lugar em que ela deveria ficar sumia e os momentos dessa década misturavam-se labirinticamente, sem tolerância. Os pequenos retângulos, então, adquiriram voz e deram um nó no tempo, ao perceberem que os álbuns para onde todos deveriam caminhar, segundo a comportada linha das recordações, estavam mesmo fadados ao desuso... Tive paciência com elas, no entanto, e distingui muxoxos, caras de sorriso largo, poses às vezes artificiais, espontaneidades engraçadas. Percebi que não há mais espaço físico para tanta foto bem tirada ou mal tirada ou ainda não sei por que foi tirada, afinal, nunca se registraram tanto os momentos que ficam para sempre guardados na fria memória do computador, sem que alguém tenha oportunidade de contemplá-los. Emoções são enquadradas para não serem esquecidas, mas emboloram, amarelecem e tornam-se obsoletas; vou resistir ao descabido descontrole de apertar botões a olho para produzir clichês em série (acabei de me lembrar das engrenagens de Tempos Modernos de Chaplin), mas vou render-me à anacronia dos álbuns. Depois de colocar num deles, com reverência, a última foto já revelada, que está à minha espera e que me olha com melancolia, passarei a estampar as que ainda estão por vir em fotolivros ternos, para continuar a entrever caras de perfis fingidos, manhosos, divertidos, encantadores.

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